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Publicado: Segunda-feira, 29 de abril de 2013

Por uma cidade limpa

 

Preste atenção, passante, nas pessoas que cuidam da sua cidade sem nenhuma obrigação. Os prefeitos de quaisquer municípios são zeladores obrigatórios, estão aí para isso, deram cotoveladas nos adversários para chegar aonde estão. Não vamos ser ingênuos e acreditar que candidatos fazem a briga desbocada e ruidosa da eleição por acreditar que podem cuidar melhor da cidade do que algum adversário. O que está em jogo são os espaços políticos, o poder, a gerência do dinheirão nosso de cada dia. Acabamos de ver a enorme operação do Ministério Público contra a corrupção em centenas de prefeituras de doze estados. Seria tão ingênuo como acreditar que os poderosos pastores de mega-templos e jatinhos particulares encenam aqueles espetáculos de televisão, formatados para arrebanhar fiéis e arrecadar dízimos, somente pela glória de Deus.

Pequenos zeladores, leitor, são os cidadãos comuns que cuidam, da cidade sem outro interesse que não o da limpeza e da beleza. São os que dão o abrigo de uma árvore e comida aos passarinhos, os quais retribuem alegrando espíritos com sua leveza e canto. São os que grudam orquídeas nas árvores do seu quarteirão, aquelas que sobraram das festas e da gentileza das visitas. São os que retiram a sujeira da sarjeta em frente de suas casas e jogam o lixo no lixo. São os moradores que pintam suas fachadas, muros e grades, repõem vidros, madeiras e calhas de suas casas, pelo simples e encantador motivo de vê-las bonitas. São os que cuidam dos seus jardins, das suas calçadas, das flores que primaveram suas jardineiras e canteiros, estimulando uma onda de atarefados vizinhos a fazer o mesmo, a rivalizar com pequenas atrações e descobertas botânicas. São empresas pequenas e médias que patrocinam a jardinagem de praças vizinhas ou a grafitagem artística dos muros próximos. São os que regulam os motores de seus carros com o objetivo consciente de não piorar o ar que respiramos; os que fecham suas torneiras no momento certo para o bem de todos; os que recolhem nas calçadas os cocôs de seus cachorros; os que ensinam a seus filhos que pichar paredes suja a imagem da cidade e a deles, como moradores.

São, enfim, os que praticam o mínimo e civilizado ato de varrer suas portas, suas calçadas. Como se passassem para as autoridades um recado inspirado no funcionário da limpeza pública retratado por Rubem Braga, o qual, dizia o cronista, trazia seu caminhão de lixo tão limpo que brilhava: a sujeira é de vocês, tramada nos corredores sombrios da burocracia e da corrupção, o descaso é de vocês, a omissão que larga pela cidade um espraiado de feios rejeitos é de vocês, o jogo de empurra que deixa a cidade suja e nos envergonha quando conduzimos pelas ruas um amigo visitante é de vocês, senhores zeladores obrigatórios; minhas são estas calçadas limpas, estas plantas floridas, estas roseiras podadas, estas paredes impecáveis, estes vidros reluzentes.

Preste atenção, passante, nos pequenos gestos desses moradores civilizados e agradeça, porque sem eles estaremos entregues à total degradação e feiura.

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Quem me dera tivesse eu essa fluência de estilo! A matéria hoje é de autoria do apreciado Ivan Angelo, intitulada “Pequenos zeladores”, também lá na página última da revista VEJA SP (24 de abril de 2013). Transcrita porque nela se disse com maior conhecimento e propriedade o muito daquele pouco da modesta crônica da semana passada (“Lhaneza no trato”), edição do JF de 19 de abril findante, e também aqui, na intenção de relembrar amabilidades e boas maneiras.

Em tempo: não é de Ivan Angelo o destaque em negrito. Ousadia minha.  

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