Publicado: Segunda-feira, 28 de julho de 2008
Procura-se uma Avó
A Tia conversa com as crianças na Escola Maternal:
- Que linda a sua blusinha, Camila! Quem foi que fez?
- A Vovó!
- E você, Celina, como passou o fim de semana?
- Na casa da Vovó!
- Você já foi ao circo, Lígia?
- A Vovó me levou uma vez e disse que vai levar de novo.
- E você, Lucy? O que tem de bom para contar?
- Nada!
A Lucy sai correndo e distancia-se das colegas chorando. A Tia aproxima-se, pergunta o que aconteceu, mas ela se cala obstinadamente. A professora preocupa-se. Não é a primeira vez que a Lucy tem atitudes estranhas. Fala com a psicóloga da Escola. A psicóloga conversa com ela, pergunta o que aconteceu e ela diz simplesmente:
- Estou triste porque não pude ir à casa da Vovó esta semana.
- A psicóloga sorri, agrada e dispensa achando que não há nada tão grave assim.
Lucy sempre viveu só com a mãe. Não conhecia seus avós, nem mesmo sabia se os tinha porque a mãe sempre fugia do assunto. Nunca quis falar com ela sobre a família.
Sobre o pai, durante algum tempo, dizia simplesmente que ela não tinha. Que muita gente não tem pai. Quando ela não mais acreditou nisso, disse que ele morreu.
Como a mãe não escondia seu aborrecimento quando ela tocava no assunto, Lucy acabou calando-se, guardando para si mesma as mágoas e a dúvida: Que será que há de errado?
Mas, na realidade, pai, tios, primos e demais parentes não lhe faziam nenhuma falta. O que ela queria mesmo era ter uma avó.
A mãe mimava-a muito. Ela tinha sempre roupas novas, todos os brinquedos, lindas festas de aniversário, viajava todas as férias, enfim tinha tudo o que normalmente fazem a felicidade de uma garota, e ela era realmente feliz. Só havia um senão, a falta da avó.
Algumas colegas tinham as duas avós na cidade e elas competiam nos paparicos. Outras tinham a avó morando longe e iam passar temporadas com elas. A Yvete, então, tinha uma avó morando no Rio de Janeiro e outra numa fazenda de Minas Gerais. Passava freqüentemente fins de semana prolongados com elas e voltava contando as maravilhas da Cidade Maravilhosa, suas praias e pontos turísticos ou os encantos da casa da fazenda, dos passeios a cavalo e dos banhos de rio.
Que injustiça! Duas avós para a Yvete e nenhuma para a Lucy!
Então, para fugir da frustração, Lucy começou a mentir. Cada vez que uma colega contava alguma passagem com a avó, ela contava outra mais emocionante ainda.
Ela mesma surpreendia-se com a sua criatividade. Como tinha facilidade para inventar estórias!
Só que, tanto inventou que acabou caindo em contradição e os colegas começaram a caçoar dela chamando-a de mentirosa.
Já adolescente Lucy parou de falar da avó, mas continuou com a mágoa de infância e uma curiosidade, agora acirrada de descobrir os mistérios que a mãe fazia questão de ocultar.
Remexeu todos os guardados da mãe, às escondidas, esperando encontrar alguma pista, uma foto, um documento, uma carta antiga, mas, nada!
Na impossibilidade de estender-se em sua pesquisa, resolveu arquivar temporariamente o assunto. Um dia ainda ia por essa história em pratos limpos!
Que a aguardassem!
Quando cursava o segundo ciclo, o jornal local fez uma homenagem às avós e estabeleceu prêmios para os estudantes que escrevessem as melhores histórias sobre a avó.
Histórias de avós? Era com ela mesma! Quantas, inventara na infância! Ainda lembrava do tempo em que ficava acordada na cama, à noite, imaginando mil e uma situações alegres, tristes, engraçadas que aconteceriam com ela e sua avó, para contar às colegas. Uma criatividade que acabou por custar-lhe a pecha de mentirosa, mas pensando bem, que é o historiador senão um mentiroso que conta casos que nunca aconteceram?
O trabalho da Lucy ganhou o primeiro lugar. Ela recebeu seu prêmio e animou-se a continuar escrevendo. Toda semana mandava uma crônica para uma seção aberta do jornal. O pessoal do jornal já conhecia seu trabalho e esperava por ele. Para amadora ainda tão jovem, estudante, seu trabalho era considerado excelente. Um dia veio o convite para fazer parte do quadro efetivo do jornal. Trabalharia no suplemento infantil, sob a direção de dona Germana.
Não era um empregão, mas era um empreguinho na área que ela gostava, jornalismo, e ela ficou super feliz. Desde o primeiro instante houve entre ela e dona Germana uma afinidade muito grande. Dona Germana admirava a competência da jovem auxiliar e tecia-lhe elogios exagerados. Lucy sentia um carinho muito grande por ela.
- Bem que ela podia ser minha avó! Ponderou. Já tinha passado da idade das fantasias infantis, mas... Que idade teria ela? 35? 40? Com menos de 40 poderia ser sua avó, pois ela devia ser o fruto de inconseqüência de adolescentes.
Entre uma tarefa e outra as duas conversavam muito e Lucy sempre procurava levar o assunto para o pessoal só para ver se descobria se ela era ou não uma avó. Nem ela mesma sabia dizer o por quê desse interesse. A chance de ela ser a sua avó era mínima.
Mas um dia, Lucy deu um jeito de perguntar se ela já era avó e a sua resposta deixou-a mais intrigada ainda.
Sentiu que a pergunta abalou dona Germana.
Seus olhos entristeceram-se. Olhando o horizonte pela janela aberta, respondeu:
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