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Publicado: Quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Quantos quilômetros têm um click?

“Será que chegará um dia em que as pessoas não terão mais a noção de distância?” –comentou meu primo outro dia. Fiquei impressionada com esse pensamento. Principalmente, porque ele faz todo sentido. Vejo a minha filha, por exemplo, com seus 12 anos, conversando com amigos espalhados pelo mundo. Como grande parte das conversas são feitas via MSN, Skype, orkut, chats ou e-mail, a distância torna-se extremamente relativa.
Antigamente, quando eu viajava e conhecia pessoas de outras cidades ou países, a chance de continuar mantendo contato era muito pequena. Uma carta aqui e ali, o tempo ia passando e a amizade ia esvaindo, salvo raras exceções. Hoje em dia é o contrário: se não tomamos cuidado, acabamos tendo mais contato com as pessoas que estão longe do que com as que estão perto. A facilidade e o hábito de se relacionar virtualmente faz com que a gente tenha mais tempo para falar com um amigo da Europa do que com um vizinho de rua. Tudo bem que não é assim para todos, afinal a inclusão digital está apenas começando. Mesmo assim, a velocidade dessa mudança é impressionante e cada vez mais poderosa no meio jovem.
Cabe então, perfeitamente, a pergunta do meu primo: “Será que chegará um dia em que as pessoas não terão mais a noção de distância?”.
Outro dia a minha filha estava no MSN e a nossa prima, que está morando na China, entrou para conversar. Foi uma longa conversa, deliciosa, que permitiu trocar momentos raros de emoção e experiências. Talvez, se tivéssemos nos encontrado em uma festa de família, não teríamos tido a oportunidade de conversar nessa profundidade. Esses novos meios de comunicação abrem as portas para outras formas de relacionamento e linguagem, relativizando a distância de uma forma impressionante. Se minha prima estivesse na casa ao lado, realmente não faria a menor diferença na nossa conversa.
Essa discussão se amplifica quando refletimos sobre o significado da distância. Podemos estar perto, mesmo estando longe? Podemos estar a quilômetros de distância, mesmo morando na mesma casa? Será que a distância física é a que mais importa, ou é a que mais estamos acostumados a aceitar? É fácil falar: “Estou com saudades do meu filho, ele está fazendo um intercâmbio de um ano na Europa!”. Mas nós não ouvimos por aí: “Estou com saudades do meu filho, faz um ano que não sentamos para conversar, nunca jantamos juntos e ele vive no computador. Parece que mal nos conhecemos!”. Qual distância é maior?
Os recursos do século XXI nos permitem facilidades nunca antes imaginadas e oportunidades de relacionamento realmente incríveis (aliás, o meu trabalho é um bom exemplo disso). A distância de fato adquiriu outro sentido. Nossos filhos e netos não gritarão mais ao telefone nas chamadas internacionais, nem precisarão falar rápido porque a ligação é muito cara. Morar em outro continente não parece mais “coisa do outro mundo” e a globalização encurtou a distância entre os hábitos culturais de cada tribo.
No entanto, apesar de todo esse arsenal tecnológico, há ainda outras importantes distâncias a serem encurtadas: aquela que separa uma alma da outra, o homem da natureza, o coração da mente, o céu da terra, a espiritualidade da vida. Apesar de todas as facilidades do século XXI e da sagrada oportunidade de entrar em mundos inabitados e desconhecidos, precisamos urgentemente aprender a encurtar a distância que nos separa de todas as manifestações de vida. Enquanto continuarmos enclausurados em nossas crenças e vaidades pessoais sem perceber que todas as verdades são únicas e igualmente importantes, a jornada não terá chegado ao fim. Estamos empanturrados de benefícios tecnológicos e vivemos uma total escassez de proximidade e intimidade.
Na verdade, não importa se a distância é medida em clicks ou quilômetros. Porque - seja como for - essa não é a distância mais importante.
Faço a mesma pergunta do início: “Será que chegará um dia em que as pessoas não terão mais a noção de distância?”. Se esse dia chegar - e eu espero que chegue – não será pelos clicks. Será pela descoberta de que tudo isso só faz sentido se levar à verdadeira união entre os homens. Só então a noção de distância será realmente transformada.

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