Relíquias do anedotário
Com a licença dos prezados leitores, peço vênia hoje, por exceção, para trazer um texto de autoria de um amigo particular, atento e de excelente memória, que conseguiu relembrar a origem de alguns dos tantos brocardos e provérbios de origem popular e que ficaram na história.
Na verdade, no meticuloso relato abaixo, tratou o amigo Elio Brugugnolli de captar quase tudo das falas da guia de turismo – Neuma Horta – que distribuiu curiosidades a mancheias num périplo pelas igrejas e museus de Ouro Preto, em meados de junho último.
O autor, Elio, reside em Cotia, mais precisamente na Granja Vianna.
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“Enfezado”.
Durante a escravidão era usual a atribuição de retirada dos quartos dos patrões, dos resíduos líquidos e sólidos produzidos à noite. Os escravos utilizavam barris de madeira para esse trabalho e, como se sabe, com o tempo, surgiam pequenas rachaduras no corpo do barril. Por conseguinte, quando os levavam na cabeça, era comum que escorressem as fezes pelos rostos e corpo dos escravos, que, por isso, ficavam “enfezados”.
“Lavar a égua”.
Na lavra do ouro, os escravos queriam também tirar sua “casquinha”, afinal todos são filhos de Deus. Na fase de exploração, através da queda de terra e água nas peneiras, o ouro mais pesado ficava em baixo e os serviçais retiravam o pó e encaminhavam o resultado para os seus patrões, em cima de animais. Os escravos então “banhavam” os animais e aplicavam ouro neles dissimuladamente. No final, após entrega das vasilhas com o ouro, estendiam um couro de boi no chão e davam um banho no animal para amealhar o resquício de ouro ali depositado e, portanto... “lavavam a égua”.
“Eira nem beira”
Naquela época, as classes sociais eram bem definidas e quem fazia parte da elite tinha casas grandes a contrastar com as palhoças da categoria inferior. Nessas casas grandes, no centro da sala, havia até espaço para fazer fogo, tal qual as lareiras de hoje. Esses espaços eram denominados de “eiras”. E as casas construídas de madeira com barro, tinham em seu acabamento no final dos telhados um beiral para que a água escorresse sem danificar as paredes e que era chamado de “beira”. Aqueles, pois, que não possuíam essas casas eram chamados, os pobres coitados, de gente que não tinha “eira nem beira”.
“Conto do Vigário”
Sempre que o casal viesse a ter uma menina era costume preparar-se um enxoval para quando fosse se casar. Havia, para isso, um baú de madeira, com dois compartimentos, um maior onde a mãe reservava as roupas necessárias e outro menor onde o pai guardava o “dote”, com ouro, peças trabalhadas e até títulos de propriedades. Com o fim de preservar o baú, era entregue ao Pároco local para ele guardar. Ocorre que os diversos pretendentes, na realidade, não queriam a jovem mas sim os baús com os chamados dotes. Daí o golpe do baú e muitos deles caiam no “Conto do Vigário”, pois o baú pouco ou nada continham.
“Guardados a sete chaves”
O ouro para ser transportado para a coroa era colocado em uma urna e com as quantidades registradas e asseguradas por, no mínimo, três pessoas. As urnas tinham igualmente três fechaduras e cada responsável tinha uma chave. A depender da urna e do seu tamanho, havia sete chaves e provém daí o ditado de que o conteúdo estava “guardado a sete chaves”.
“Uai”
A expressão“uai”, tão comum até hoje em Minas Gerais, tem comoexplicação a confusão e mistura de línguas faladas no tempo em que todos os países europeus se julgavam com direito a explorar as riquezas da região: ingleses, holandeses, espanhóis, portugueses, enfim uma verdadeira Torre de Babel. A partir daí, a qualquer coisa dita era perguntado o porquê, sempre com a pronúncia aportuguesada do idioma inglês “why”. Portanto “uai. Daí, “uai”, “uai”, “uai”.
E você, sabe o que é “UAI”?
- “Uaí” é “uai”, - “uai”.