Colunistas

Publicado: Domingo, 4 de março de 2007

Roda de Mulheres

Crédito: Banco de imagens Roda de Mulheres
“We all come from the Goddess, and to her we shall return.
Like a drop of rain, flowing into the ocean.
Isis, Astarte, Diana, Ecater, Demeter Kali, Inana” (trecho de música)
 
De mãos dadas com as mulheres da minha vida, olhei e vi minha menina crescendo. Vi minha bisavó com seus lindos cabelos brancos azulados, servindo chocolates em uma delicada bandeja de porcelana pintada à mão. Por que ainda sinto o gosto desse chocolate em minha boca?

Vi minhas avós aconchegando a minha criança e suas rugas marcando uma vida de luta e coragem. Muitos almoços e jantares regados a conversas familiares, e a comida sempre no centro de todas as atenções, alimentando o prazer, a culpa e a doação. Memórias eternas.
 
Olhei mais distante e vi minhas amigas de infância. Aquelas que a gente nunca esquece, pela cumplicidade das primeiras descobertas. Brincadeiras de roda e de boneca, amarelinha e festinhas com brigadeiro e coca-cola. Minha mãe sempre do meu lado, vestindo, amparando e orientando. Porto seguro, muitas vezes era tudo o que eu precisava para uma noite de sono tranqüilo. Outras vezes, embora fosse um anteparo para minhas dores, abafava a minha liberdade. São essas e outras marcas que as mães tatuam em seus filhos, combinando com perfeição a segurança vital com a urgência de desapego. E não há presença maior do que essa.
 
Vendo a minha criança, sei que tudo o que sou hoje já habitava o meu pequenino ser, me ensinando quem eu era, do que gostava e qual seria a minha marca no mundo.
 
Volto os olhos para a Roda e vejo minhas amigas adolescentes. Muitas me ensinaram sobre a mulher que me desabrochava, com conversas picantes e avançadas, que muitas vezes faziam corar a minha face. Sublimes momentos que me descortinaram novas escolhas e jeitos de me relacionar com o feminino e o masculino das minhas relações. Olhei a amiga doce e suave, a rebelde e carente, a competitiva e estratégica. Vi a amiga leal, a rival, a de todos e a de ninguém. Visitei minha rebeldia, beleza, inocência e vergonha. Reconheci minha sensualidade, desamparo, desejo e esperança. E no enorme leque de possibilidades, conheci a minha integridade.
 
Virei o rosto e mais adiante estavam as minhas amigas quase-mulheres. Bonitas, corpos cuidadosamente encaixados em calças jeans e camisetas decotadas. Abracei a amiga que virou irmã, agradeci a companheira de conversas intermináveis, a intelectual, a nutridora, a ex-cunhada mais amiga do que seria possível. Tantos sabores, tantos jeitos de se tornar mulher...
 
A minha Roda de Mulheres era muito, muito grande. Do lado oposto, logo à minha frente, estava a minha irmã, com tudo o que tem me ensinado sobre a cumplicidade e a competição, seja pela alegria ou pela dor. Uma relação tão delicada, digna de ser cuidada com zelo e arte. Ao seu lado, minhas primas jovens, diferentes e coloridas. Vi a prima responsável que sempre cuidou das irmãs menores, a prima mais bonita, a caçula que cresceu e se tornou uma linda mulher. Vi a prima mega inteligente e a prima criativa, cheia de indagações sobre o viver.
 
Mais adiante, vi a tia querida que ajudou a me criar, amor incondicional e intermináveis lembranças de infância. E também a tia viúva, com seus felizes olhos verdes que brilharam no segundo casamento, mostrando que a Vida é sempre maior do que a dor. Vi também a outra tia, distante, que trancou sua mulher em algum lugar longe do coração. Ela também estava na minha Roda de Mulheres, porque sempre tem um pedaço da gente que – pelo medo de sofrer – tem vontade de exilar a mulher.
 
Bem próximo, lá estava a minha sogra, a quem sou eternamente grata por ter colocado o meu cara-metade no mundo, com sabedoria, bondade e força de guerreira.
 
Pude notar também outras mulheres, nem sempre tão visíveis, que fazem parte do grupo que dá suporte ao dia a dia de muita gente. São elas as cozinheiras, babás, secretárias, assistentes que fazem toda a diferença com sua lealdade, presença silenciosa e generosidade. Muitas participam dos bastidores da minha vida e eu não sei o que seria de mim sem elas.
 
Passei para o lado das mulheres brilhantes que moram em um lugar especial do meu ser. São elas jovens ou idosas, feias ou bonitas, ricas ou pobres. Mas todas trazem um brilho diferente que nem sei explicar. É algo que acende a luz dentro de mim quando as vejo. De mãos dadas com elas, estavam as mulheres a quem agradeço pelos ensinamentos singelos ou profundos. Terapeutas, professoras, mestras, escritoras, referências para o feminino que habita a minha morada.
 
Muito perto de mim, vi as amigas com quem dividi as dúvidas da garota que virou mãe. Mulheres com quem andei na praia carregando a vida no ventre, com quem passeei de carrinho, falei sobre fraldas, escolas e anseios. Lindo tempo!
 
Depois foi a vez de ver as mulheres aladas, que me ensinaram sobre a cumplicidade do feminino, tão difícil nos dias atuais, mas tão vital para a construção de um mundo melhor. Mulheres de roda, de música, de busca pela liberdade da alma. A elas, minha gratidão infinita.
 
E de mãos dadas comigo, senti a menina que carrega nos olhos o mesmo azul do meu céu. A garota que em parte é o que fui e em parte é toda diferente, cheia de sonhos e potencial de realização. Minha filha, linda, desabrochando mulher, tanto encanto e admiração. Ela estava junto a mim, ainda próxima, experimentando a liberdade em pequenas doses no seu florescer. 
 
Nessa Roda que sonhei um dia, tive a honra de visitar todas as mulheres que, com sua existência, me ensinam sobre a Deusa que mora e acolhe cada uma de nós. A vida tem me mostrado que cada parte dessas mulheres integra a minha alma também, mesmo as partes que desconheço ou rejeito. A cada encontro, percebo um jeito peculiar de expressar a beleza desse feminino, cheio de nuances, contradições, sutilezas, dor e prazer. Acolher todas as mulheres que passam por nosso caminho é sinal de profunda evolução interior. Sejam elas diferentes ou iguais, ameaçadoras ou acolhedoras, maternais ou fraternas, jovens ou idosas, imaturas ou s&aacu
Comentários