Sequestro relâmpago
Essa é uma história verídica.
Aconteceu nos anos noventa quando os seqüestros-relâmpagos ainda eram uma novidade.
Era para ser mais um dia desses normais. Página virada do calendário como tantas outras. Dias que a rotina do cotidiano se encarrega de viver por nós. Mas não foi.
Nelson viajava sonolento pelo metrô. Em seu colo, quase caindo, viajava uma pasta com alguns documentos. Do bolso da calça escorregava seu telefone celular que estava por um fio.
A sua figura, sem dúvida, não era a mais bem composta daquele trem, tampouco daquele vagão.
Por uma razão qualquer sempre acordava na estação em que deveria descer. Deixou a estação do metro e encaminhou-se para o ponto de ônibus quando o destino daquele dia começou a desenhar-se surpreendente:
Caminhava distraído e não percebeu a aproximação do rapaz.
- Por acaso você sabe onde fica a junta comercial?
Teve a intuição de que seria assaltado.
- Maluco, o negócio é o seguinte: Isso aqui é um assalto. Fica na moral, passa a carteira, olha pro chão e atravessa a rua do meu lado. Sou menor, se mato mais um, amanhã estou na Febem e depois de amanhã estou fora.
O rapaz levantou a camisa e mostrou a coronha de um revólver que Nelson nunca soube se era de verdade ou não.
Atravessou a rua acompanhando o ladrão que revirava sua carteira.
- Esse cartão aqui é pra tirar dinheiro do banco?
- Também.
- Então nós vamos dar um rolê. Fica na moral senão eu te queimo maluco.
Nelson estava na moral. Tranqüilo. Só que estava apertado, precisava de um banheiro com certa urgência.
- Preciso fazer xixi.
- Se lá onde eu moro você falar em fazer xixi ninguém entende. É ”dar um mijão” que fala.
- Eu preciso dar um mijão.
- Encosta aí e vai fundo. Tô ligado em você. Já te falei que eu vou te queimar, hein maluco?
Nelson sentiu-se aliviado, fechou o zíper da calça e agradeceu ao ladrão que já passava novas ordens:
- Aí, nós vamos pegar um bumba e você vai ficar do meu lado. Vacilou eu te apago.
Nelson lembrou-se dos tantos filmes nos quais o mocinho domina o ladrão e acaba com a mocinha mais bonita da cidade. Enquanto vasculhava na memória seu arquivo de filmes o ônibus chegou ao ponto. Subiram. Nelson pagou as duas passagens com uns trocados que restaram em seu bolso. Foi quando o ladrão percebeu o celular em seu bolso:
- Empresta o aparelho.
Sentaram-se lado a lado. Rodaram por cerca de vinte minutos. Durante o percurso o ladrão foi falando ao celular e Nelson flagrando a situação em que estava metido.
- Vamos saltar no próximo ponto, maluco.
Saltaram há uns duzentos metros de um banco 24 horas. Àquela altura Nelson já tinha desistido da idéia de transformar-se em herói de cinema.
Ao atravessar uma rua movimentada, Nelson olhou para os dois lados como sua mãe lhe tinha ensinado.
- Você está procurando polícia maluco. Olha pro chão, porra. Vou te queimar.
Com muita serenidade Nelson retrucou:
- Você é preto e eu sou branco, um andando ao lado do outro, o branco olhando pro chão...
Fez a mímica da situação.
- Assim é bandeira.
- Então olha prá frente. Não olha para os lados. Já falei que eu vou te queimar.
Já dentro da cabina do banco, o ladrão pegou a carteira de Nelson e sacou o cartão 24 Horas. Nelson gentilmente interrompeu-o:
- Deixa eu te explicar uma coisa: esse cartão realmente é para ser usado em agências 24 horas, só que eu não sei o código e...
O ladrão levou a mão ao revólver e ameaçou:
- Olha aqui maluco, até aqui você veio bancando o bonzinho, tudo bem, só que se você vier querendo me embromar eu vou te queimar...
- Tudo bem, me deixe acabar a explicação. Tem outro cartão aí na carteira para sacar dinheiro em banco 24 horas. O código desse cartão eu sei
- E esse aqui não serve prá nada.
- Serve. Esse é um cartão de crédito. Faço compras com ele. Para fazer compras não precisa do código, entendeu?
- Falô. Qual é o código desse outro? Já perdi muito tempo com você. Estou a fim de te queimar.
- Se me queimar aí que você não vai pegar dinheiro nenhum.
- Vai maluco! O código dessa porra!
O código é tal. O ladrão digita o número e vem a seguinte mensagem:
“Este cartão não está autorizado para esta operação”.
O semblante do assaltante tornou-se ameaçador.
Pela primeira vez, desde o início do assalto, a barriga de Nelson gelou.
- Dá o código certo se não quer morrer.
O rapaz voltou a mostrar a coronha da arma.
Nelson sentiu seu coração disparar. O código era o verdadeiro, por que diabos a máquina veio com aquela mensagem assassina?
- Desembucha maluco. Ou prefere morrer?
Nelson não tinha nada para “desembuchar”, o código era verdadeiro. Não imaginava o que pudesse falar para salvar a vida.
- Fala maluco!
Nelson falou.
Esta crônica continua nessa mesma coluna em 04/05/2010
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