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Publicado: Quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Série Assinaturas: José Ferraz de Almeida Junior

Série Assinaturas: José Ferraz de Almeida Junior
Assinatura de Almeida Junior, em 1879

Através desta Série Assinaturas passo  a resgatar, nos documentos de Arquivo, os moradores que participaram da construção de nossa História.


A leitura dos antigos documentos dos séculos 18 e 19 nos transportam para outros tempos, outros cotidianos e ao conhecimento dos moradores de uma localidade que, deixaram através de sua escrita, as marcas materiais de sua História.

Muitos deles eram  letrados e puderam nos deixar seus artigos, livros, poesias,pinturas, partituras e  até mesmo fotografias, mas que não era a regra naquela  sociedade formada por poucos alfabetizados e, onde a grande maioria apenas desenhavam as suas assinaturas.

Desta vez, apresento  a Assinatura de José Ferraz de Almeida Junior.

José Ferraz de Almeida Junior nasceu em Itu no ano de 1850 e faleceu em Piracicaba em 1899. A análise de sua obra mereceu inúmeros trabalhos acadêmicos e sua biografia foi amplamente divulgada. Contudo, alguns aspectos de sua vida ainda permanecem guardados.

 Aqui trazemos a sua assinatura, registrada em uma carta enviada de Paris, em 18 de maio de 1879 ao Padre Miguel Correa Pacheco da Matriz de Itu.

Almeida Junior viveu em Paris entre os anos de 1872-1886 estudando na École National Supérieure des Beaux-Arts [Escola Nacional Superior de Belas Artes], sendo aluno de Alexandre Cabanel (1823 – 1889).

A correspondência diz respeito a visita que Almeida Junior havia feito, a pedido do padre Miguel, as dependências da fábrica do Sr. Cavaillé-Coll [Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899)] para a compra de um órgão, à Matriz de Itu.

Este órgão, que se encontra na Matriz de Nossa Senhora da Candelária da cidade de Itu, foi adquirido no ano de 1883 tendo como intermediador o então primo do Padre Correa Pacheco João Tibiriçá Piratininga.

 Quanto a biografia de Almeida Junior, transcrevo a notícia de seu falecimento, publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, em 14  novembro de 1899...

 

 " É  tristíssimo a noticia que nos trouxeram ontem os dois telegramas de Piracicaba , que são publicados na secção competente: Almeida Junior, nosso festejado pintor , Almeida Junior, um dos vultos culminantes da vida brasileira, Almeida Junior, que ainda há dois ou três dias, cheio de vida e saúde, trabalhava com ardor no seu conhecido atelier da rua da Gloria, Almeida Junior foi assassinado a facadas, num hotel de Piracicaba. É sempre comovente a morte de um homem deste valor, mas o abalo que a notícia desta morte  produz é excepcionalmente doloroso..... Está a gente a imaginar que o artista está ali , a dois passos de nós, no seu recanto silencioso, a desenhar uma paisagem , que o encantou, a corrigir amorosamente os contornos de uma figura, que o seduziu, e, do repente, estala como um raio esta desilusão atros: Almeida Junior, está morto, morreu a facadas num hotel de Piracicaba. Não pode haver nada mais estúpido e mais brutal e só com muita dificuldade se nos afaz o espírito a tão pungente Idea.

Os telegramas de Piracicaba chegaram a esta capital as seis horas da tarde e, como é natural, começaram logo a correr os mais desencontrados boatos a respeito do trágico acontecimento que eles nos anunciaram.

Não sabemos nem procuramos saber que fundamentos esses boatos tinha. Parece-nos somente bem averiguado que Almeida Junior era próximo parente e amigo intimo de Almeida Sampaio. Disseram-nos que um filho deste , um menino, morara aqui com o nosso laureado artista e que Almeida Junior partira para Piracicaba exatamente para acompanhar o seu hospede até a casa de seus pais. Almeida Junior era a delicadeza em pessoa, e os que conheceram Almeida Sampaio, afirmam que ele é homem de bons costumes e de gênio brando. Que haveria, pois, para que esta leal amizade tão cruelmente se rompesse?

Di-lo ão as justiças  de Piracicaba. A nós cumpre-nos apenas lamentar a perda prematura do ilustre artista que foi Almeida Junior.

Era um modesto, era quase um tímido, mas não há, entre os pintores brasileiros, nenhum que lhe leve a palma. Havia, sob aquela aparência desprimorada de caipira descuidado, a chama ardente de uma alta inspiração e um gosto apuradíssimo. No desenho era um mestre. Estudava com especial carinho e reproduzia com rigorosíssima verdade a paisagem do nosso Estado e as figuras dos caboclos do  nosso sertão. A Paisagem da partida da Monção é magnífica. As figuras dos Caipiras negaceando são verdadeiramente magistrais.

Nasceu em Itu e deveria ter quarenta e poucos anos. De família paupérrima, estudou em Paris à custa do Imperador. Foi discípulo de Cabanel  e dos discípulos prediletos do grande mestre de pintores.

Em Paris expôs no Salon algumas telas, entre as quais o Repouso do Modelo, que mereceu elogios do exigente Alberto Wolff, que então fazia critica no Figaro. Foi também em Paris que compôs a Fuga para o Egito, que tão calorosa admiração provocou de Ramalho Ortigão, quando, há anos o notável critico português esteve no Brasil.

É exato que também muita coisa medíocre na vasta obra do Almeida Junior. Dos seus retratos, por exemplo, poucos são dignos de atenção.

A culpa, porém, não era do pintor. A culpa era do meio em que ele vivia. Como se pode fazer arte no Brasil só por amos da arte? Morre de fome o artista que não transigir com o mau gosto do nosso publico. Almeida Junior assim o compreendeu, e, como outros, mercantilizou  as vezes o seu invejável talento. Mas, à parte o que era puramente comercio, ainda nos fica de Almeida Junior muita arte excelente – e o seu nome é de pleno direito, o de uma gloria paulista ". 

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Para saber mais sobre os órgãos de Aristide Cavaillé-Coll ver:

- Kerr. Dorotéa. Catálogo de órgãos da cidade de São Paulo. São Paulo: Annablume: Hosmil: Fapesp, 2001. 318p.

- Aristide CAVAILLÉ-COLL (1811-1899)ou itinéraire d'une entreprise à travers Paris. Disponível em: http://www.musimem.com/cavaille-coll.htm.

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