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Publicado: Domingo, 8 de janeiro de 2012

Solidariedade inoperante

Solidariedade inoperante
Solidariedade... é garantir o melhor para todos

Há dois meses, observei uma campanha de solidariedade organizada por uma instituição de ensino renomada. Entre seus alunos, foram arrecadados mantimentos não perecíveis e fraldas descartáveis para presentear crianças carentes. É claro, senão intencional, que a iniciativa atraiu a imprensa. Alguns jornais publicaram que a ação deveria ser tomada como exemplo, uma vez que é preciso educar e estimular os pequenos cidadãos a partilhar. 

Partilhar? 

Segundo a definição do Dicionário Aurélio, “partilhar” quer dizer “ter parte”; “repartir os bens de uma herança”.  O que significa que se, de fato, a renomada instituição desejava praticar a partilha, ela deveria, então, oferecer algumas vagas aos carentes para que pudessem usufruir das benesses da sua real finalidade. Ou seja, de um espaço freqüentando diariamente e recheado de bom ensino, informação atualizada, professores competentes, higiene, lazer, esporte, entre outros. Porque do contrário, a ação implementada não vai além do exercício de solidariedade inoperante, em que o único objetivo é lavar a alma dos que, apesar de sentirem-se incomodados, não pretendem, mesmo que inconscientes, combater a desigualdade social.     

Embora não seja este o tema central, vale a pena fazer um parêntese para dizer que o combate à desigualdade social não depende só dos investimentos econômicos organizados pelas políticas públicas. Em outras palavras, é impossível construir um país justo e democrático sem amplos investimentos na educação e na cultura do seu povo. Um querido professor, hoje meu amigo, dizia em sala de aula que os brasileiros têm celulares de última geração, mas não têm dentes na boca... Na verdade, a sua fala dissimulada nos ensinava que a política brasileira ainda sustenta a crença de que a população pode ficar sem vaga na creche, sem escola de qualidade, sem médico no hospital, sem água na torneira, mas nunca sem um celular, traduzido neste contexto como “política de pão e circo”. 

Retomando o foco e a atenção, o que estas minhas palavras desejam mesmo é alertar sobre a perigosa visão distorcida de solidariedade, que permite ensinar às futuras gerações que aos pobres basta uma “esmolinha” qualquer. Ajudar não é errado. Aliás, é um dever. No entanto, uma melhor ajuda, ideal às instituições de bom ensino, e que desejam desenvolver projetos de responsabilidade social é organizar programas para socializar aquilo que de melhor possuem: ensino e aprendizagem.  Alunos voluntários de todas as idades poderiam ensinar matemática, ciências, letras e artes às crianças das escolas públicas, tanto para reforço escolar, como para incentivo aos talentos.   

Na Bahia, o projeto Axé, com destaque internacional, é considerado uma das iniciativas mais bem-sucedidas na área de responsabilidade social. Seu fundador, o italiano La Rocca, é contundente quando afirma que as oportunidades devem ser iguais para todos: “(...) Se eu colocar limites porque ele é pobre, estarei castrando a capacidade do garoto de sonhar e de realizar. Não adianta destinar uma educação pobre para os que são pobres. É preciso a melhor educação para todos”. 

Se isso ainda não é possível por aqui, que fique ao menos a compreensão de que solidariedade não se faz com doação de mantimentos ou fraldas descartáveis. Solidariedade é permitir a todos as mesmas possibilidades.

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