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Publicado: Sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Sub cruce urbs et orbis

Embora o nome correto seja Praça Padre Anchieta, o Largo do Bom Jesus está fortemente gravado no imaginário dos ituanos. O nome ‘verdadeiro’ serve mais aos carteiros que à vida cotidiana.

Local de fundação da Vila de Itu, e desde então dominado pela figura majestosa de uma igreja, o Largo do Bom Jesus vive da fé e da tradição, e ainda expressa valores que foram vitais para a formação da identidade cultural da cidade.

No monumento aos fundadores, a lembrança de tempos árduos, quando Itu era a “boca do sertão”, o último vestígio de civilização antes do desconhecido.

Esta época evoca imagens de mulheres fortes, que aprenderam a comandar família, casa e negócios enquanto seus maridos tratavam de buscar terras e riquezas, numa aventura muitas vezes sem volta. Uma vida de provações e desafios, onde o dia seguinte não estava garantido, em que era preciso cavar nas profundas da alma a coragem para enfrentar índios e bichos rondando a escuridão impenetrável da noite.

Rezar e esperar em Deus que os filhos chegassem a ser tornar gente crescida, que os homens voltassem das expedições, que a colheita fosse boa, que chovesse ou que parasse de chover... Um tempo que cobrava de todo ser vivente até a última gota de fé para esperar o próximo amanhecer.

Para essas mulheres a praça deve ter sido um espaço de segurança e convívio, de festas e comemorações e também de lamentações a cada chegada e a cada nova partida. As casas rústicas, assim como suas moradoras, amparando-se umas nas outras como que buscando consolo para as agruras da vida sem tréguas.

Depois, a presença marcante dos jesuítas, registrada na figura de Padre Tadei, que do centro da praça vela por sua obra: uma igreja monumental, a altura dos dogmas que reinavam absolutos na religião, nos costumes, na educação, implacável com os do contra e benevolentes com seu rebanho.

Esse tempo de serestas e senhorinhas nas janelas viu de boca aberta as novidades do novo século revirar a vida pacata com seus modernismos. Os apitos da fábrica contrapondo-se ao badalo centenário dos carrilhões das igrejas. Barões, monarquistas e republicanos, católicos e maçons debatendo-se, às vezes até fisicamente, por seus ideais.

Ainda hoje o dobrar dos sinos, o cheiro do incenso que por vez ou outra escapa da igreja, o vai e vem na praça desde as primeiras horas da manhã até o fim do dia traz um sentimento de tranqüilidade, de que tudo está em seu devido lugar.

Percorrendo os mesmos caminhos, cruzando a mesma praça ou conversando numa das esquinas, repetindo linguajar e hábitos de uma gente tão peculiar, faço reverência diária aos sonhos e conquistas de meus antepassados.

Busco no sangue que corre em minhas veias, na memória atávica dos gestos inconscientes do cotidiano, dos cheiros e gostos do meu passado bandeirante e cabloco a força dessas destemidas mulheres de outrora.

Mulheres que deixaram a marca de sua intrepidez gravada em sua descendência e que sussurram em meu ouvido que é minha vez de escrever mais um capítulo desta saga.

Título: Frase inscrita no marco de fundação de Itu

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