Publicado: Sexta-feira, 9 de março de 2007
Telefone sem fio
Cidade engraçada que é Itu. Os caipiras ladinos que, com fama de lerdos, sem muito esforço enredavam os “dotores” com sua prosa sem pressa e arrancavam até as “carças” deles, sobrevivem em nós, seus legítimos sucessores.
Esse temperamento ardiloso, de conversa mole, fala arrastada deve estar gravado no gene ituano. A cidade cresceu, recebeu outras influências, modernizou –se mas não perdeu o gosto de acompanhar o desenrolar dos casos públicos (e particulares também), botar apelidos e tocar lenha na fogueira das vaidades caipiras.
Os “acontecidos” se tornam assunto das rodinhas pelas esquinas do centro e, não raro, descambam para polêmicas que duram semanas ou meses.
Todos têm um palpite para dar, um causo parecido na família (que às vezes é até melhor esquecer), enfim todo mundo bota a colher no meio, quando não a mãe (dos outros, bem entendido).
É uma gente de cabelinho nas ventas, esquentada e provocativa, que não leva desaforo para casa, mas também não perde a oportunidade de transformar tudo em galhofa.
De gorda imaginação, os ituanos vão acrescentando detalhes escabrosos ou engraçados e assim um simples tropicão acaba virando uma fratura exposta, depois de rodar de boca em boca pela cidade.
E, como se diz por aqui, o que abunda não falta. Os “acontecidos”, se não acontecem, são criados para distrair a rotina, espichar a prosa.
Essa verdadeira mania torna necessário, até preventivo, um certo conhecimento sobre as “relações perigosas” entre a gente daqui e uma dose de bom humor para passar incólume pelas pendengas locais.
É preciso ter cuidados nas conversas, saber falar sem dizer de menos, sob o risco de parecer um bocó, nem demais, para não arrumar encrenca. Em uma cidade como Itu, onde quem não é parente, é conhecido, comentários podem virar insultos em um piscar de olhos e, aí a encrenca está pronta, corre-se sério risco de mexer em vespeiro.
Apelidos e alcunhas são distribuídos com facilidade e depois que a coisa pega no sujeito, não há meio de desfazer. Alguns ficaram conhecidos por causa de detalhes físicos, como nariz grande demais, excesso ou falta de cabelos, olhos vesgos e por aí vai. Outros foram irremediavelmente associados a infortúnios (que nos olhos dos outros não ardem, é claro) e, por mais que não gostassem e esperneassem, a marca ficou para sempre pregada a eles.
Nem me atrevo a citar algum, vai que alguém fique melindrado, melhor que cada um lembre por conta própria, todo cuidado é pouco.
A rede de comunicações é extensa, quase como os sistemas de espionagem nos tempos da guerra fria, que tem olhos e ouvidos por toda parte e espalha as informações com rapidez e eficiência.
Aqui nada se faz às escondidas, tudo é público, não existe segredo e, o assunto só muda com novos acontecimentos ou quando arrumam distração (ou vítima) mais apetitosa.
Dizem lá em casa que nos tempos do telefone de manivela as telefonistas eram agentes (nada) secretos do sistema de informações, pois todas as ligações eram feitas por elas. Não tinha o que não soubessem e, justiça seja feita, foram as percussoras do telefone sem fio na cidade.
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