Tem Gente que Levita
Nada derruba mais o astral de alguém, do que um pessimismo cego.
Mas é de espantosa cegueira, também, o tipo de otimismo que tudo enxerga como se tudo colorido fosse.
Dois extremos, pois, cada um com sua marca de inadequação e inconveniência.
Viu-se, certa feita, alguém reproduzir uma palestra que tecia profunda consideração em torno da consoladora realidade do amor e desvelo que Deus tem pelas suas criaturas. Era uma abertura que de certo modo deveria alicerçar toda a mensagem a ser desdobrada
No tema original, ficava a questão de como, apesar da evidência de que Deus tanto ama os homens, ainda assim eles continuem a viver muitas vezes esquecidos dele e a se debater num verdadeiro vale de lágrimas. Por que, - enfim esta é a pergunta, - que com um tesouro bem à mão, ainda assim não se conseguisse ver um Deus tão próximo, envolto o homem freqüentemente em angústias e dificuldades?
O orador, já por ter modificado o intróito original, não captou a mensagem no todo ou não se viu à vontade para reproduzir um preâmbulo nem tão agradável, mas seguramente contundente e verdadeiro. Preferiu optar por um cenário amenizado e mais digerível, a tecer loas mil aos avanços da ciência e do progresso, que proporcionam ao ser humano melhorias de toda espécie. Lembrou o avanço da medicina, doenças vencidas e, sobretudo, a longevidade do homem contemporâneo. A idade provecta, no passado, convidava a uma quase inanição. Hoje, entrados em idade, de per si ou em grupos, descobrem faceta nova da idade avançada. No enfoque assim direcionado, das benesses do progresso e da evolução, tinha ele toda razão. Apenas se esqueceu do óbvio e daquilo que seria o suporte de todo o deslinde do assunto seguinte, ou seja, o de que o ser humano na mesma ou maior velocidade e proporção, ao lado de tais avanços, também se esqueceu de Deus.
Houve desvio da finalidade da palestra, um tema difícil, sem dúvida. A infidelidade ao núcleo da matéria revelou de um lado o peso dela e, simultaneamente, o que ela tem de sublime e autêntico no seu conteúdo. O alimento e os frutos do recado, em conseqüência, se limitaram apenas àquele instante. Acabaram ali mesmo.
Onde encontrar dose de otimismo ao ver que os bem-postos, bem alimentados e vestidos melhor ainda, se constituem de uma pequena minoria no contexto das populações de subdesenvolvidos ou em desenvolvimento? Fale-se também dos miseráveis e famintos ...
Só não enxerga quem não quer ou quem se acomoda na sua cômoda e privilegiada situação.
Tem gente que levita.
Sonha.
Países pobres, - o terceiro mundo – vão demorar a crescer porque a pressão dos grandes tem a mão direita calcada sobre a cabeça dos coitados e assim os mantém sentados de vez.