Tem "machucho"?
O homem é o que lê.
Não se leve à conta de paroxismo, assumir essa assertiva de que todo homem seja necessariamente o resultado de suas leituras. Nem tanto.
Esse ditado ou chavão corre por aí com tanta força, porque, de fato, desde que se aprecie a leitura, a influência dela é silente e gradativa, mas existe. E pode então nortear ou também confundir a conduta ou as reações do leitor.
Existe nessa situação o lado de quem escreve e o de quem lê. Os textos, crônicas, livros, anúncios e reportagens - e o que mais seja do gênero – são produzidos pelo prazer em si de escrever em primeiro lugar e também com o escopo de que haja quem os aprecie.
Na arte da escrita, porque ela é enfocada aqui apenas no bom sentido e do ponto de vista de quem almeje oferecer algo de sadio e aproveitável, existem autores que a desempenham com finalidade profissional, de que não se exime o seu aspecto prazeroso, como também outros que assim atuam por mero diletantismo. Num e noutro caso, sobra mesmo saber se quem escreve tem leitores habituais. Isso se observa, por exemplo, em matéria de jornais propriamente, toda vez que o leitor não faça mera leitura corrida de suas páginas. Ao contrário, ele procura primeiro, numa sequência de importância e de particular interesse, as matérias que lhe toquem mais de perto. Não há ordem na busca das páginas, a ponto de poder se começar quem sabe pela última.
A página derradeira. Quem a consagrou por primeiro, talvez, terá sido a preciosa Raquel de Queiroz, que, justamente sob o título de “Última Página”, teve presença longa e apreciada na saudosa revista “O Cruzeiro”. As revistas semanais, de agora, com circulação nacional, praticamente todas elas, também fazem constar um particular e diferenciado arremate de colunas fixas dos mais diversos articulistas. Assim é que a página de fecho de cada edição costuma ter um redator determinado ou, no máximo, dois ou três, que se revezam. É daí, até como hábito, que muitos leitores principiem tais publicações por ler antes o que mais lhes agrade. Tampouco se esconda que representam imenso prazer ao colunista aqueles encontros com amigos e conhecidos, que afirmam ter lido este ou aquele trabalho e até relembram o assunto e alguns detalhes dele.
Mas corre riscos quem escreve, tanto que o cuidado com a verdade e o respeito , bem como a razoabilidade das suas intenções, devem orientar seus pensamentos. O tema em si mesmo tem um foco e o modo natural e característico da prosa de quem o redige. Variadas são porém as cabeças dos leitores, de todas as idades e da mais diferente e múltipla educação, formação e cultura em geral. Repercutem diferentemente as palavras para uns e outros. Mas, nesse particular, desde que prudente o articulista, que se louve sua disposição e o destemor de como se expõe ao público.
Risco também quanto ao errar no uso de um idioma riquíssimo e de matizes sutis, por qualquer ângulo que se o analise. A língua portuguesa, dominá-la por completo e com irrestrita segurança, poucos o conseguem. Que não haja então rigor demasiado nem se vibre com os cochilos dos ddistraídos, pois falhas podem acontecer. Fala-se nestes termos porque a ninguém se concede o poder da infalibilidade, a não ser a Sua Santidade o Papa e, mesmo assim, somente quando ele se pronuncie em situações de ensino, em decisão de ordem eminentemente religiosa. Isto, aos católicos, sob dogma de fé. A tão alto dignatário, além disso, seja no que for, não lhe faltará nunca o bom senso e a assistência do Divino Espírito. Observações estas, claro, feitas aos que professem com seridedade o catolicismo, credo predominante no Brasil.
A voltar pois à possibilidade de eventuais lapsos da língua, a quem escreve, todo cuidado é pouco. Principalmente a quem milite com frequência no jornalismo de qualquer área, escrita, televisionada ou virtual.
De propósito, lá em cima, no título de hoje, constou o termo “machucho”, de grafia, neste caso, propositadamente equivocada. Quem não conhece essa planta que gera produto verde e comestível, revestido de espinhos inermes? Inermes, porque não chegam a ferir. Na verdade, a expressão correta do vocábulo é “machuchu”, tanto que vulgarmente ela é citada na forma abreviada de “chuchu”, igual e perfeitamente vernacular. Mas a gente escorrega muito nessas horas e daí surgem os descuidos, como por exemplo, no caso, inadvertidamente o de se escrever “xuxu”.
Os senões são recorrentes e escapam mais vezes do que se pensa, entre outros tantos o de se grafar “palestrista” ao invés de palestrante. E por aí afora.
Verdade mesmo, no final das contas, é que ao se aproximar da banca, nas feiras livres da vida, automaticamente se pergunta: Tem “machucho”? A última vogal é pronunciada com total vigor e falsa certeza. Ninguem vai pedir machuchu, de forma a imprimir tonalidade própria à letra final. Mas apenas falar erradamente é menos perceptível do que se escrever. A escrita permanece.
Em suma, se paciência tiveram os leitores de chegar até aqui, aceitem um sonoro e gratíssimo Deus lhes pague!
Até a semana, com outra prosa.
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