Tem um gnomo no telhado
Fiz parte do elenco de palhaços dos Doutores da Alegria de 2001 a 2005. Foram cinco anos de trabalho e uma infinidade de histórias. De vez em quando, nos momentos mais insólitos, essas histórias me aparecem como se fossem fragmentos de um desses raros filmes que a gente assiste no cinema e nunca mais esquece.
Os palhaços Emily e Cizar Parker visitavam o quarto de uma criança de seis anos. Preparavam-se para uma partida de vôlei. Emily e Cizar prendiam no alto da parede as pontas de uma tira de papel higiênico. Era a rede.
Enquanto Emily prendia a sua ponta do papel higiênico próximo à janela, reconheceu o prédio onde morava Davi, um amigo comum aos dois palhaços. Comemorou surpresa:
- Olha Dr. Cizar, a casa daquele Gnomo amigo nosso!
É que o Davi é bem baixinho.
O menino interessou-se pelo assunto:
- Eu conheço os Gnomos, já li sobre eles. Eles usam roupas verdes e um capuz vermelho!
- Você gostaria de falar com o Gnomo? Eu sei o número do seu telefone.
O menino ficou radiante e disse que sim, queria falar com o gnomo.
Ligaram e quem atendeu ao telefone foi a secretária eletrônica, o Davi não estava.
- Alô Gnomo, eu te amo. Gostaria muito que você aparecesse um dia para mim. Obrigado, um beijo, tchau.
Se acabasse aí, a estória já seria ótima, mas nada como um dia atrás do outro... Cizar levou até a casa de seu amigo Gnomo um macacão verde e um gorro vermelho. Avisou ao amigo que na quinta feira iriam novamente visitar o garoto amante dos Gnomos. Que ficasse de prontidão!
Chegou a quinta-feira e quando Emily e Cizar entraram no quarto do garoto, surpresa! Ele tinha ido embora; havia recebido alta... Não se deve lamentar o fato de uma criança deixar o hospital, mas eles lamentaram.
Eis que novamente: nada como um dia após o outro...
No caso foram trinta dias.
Um mês depois, entram no quarto que fora do menino e quem está lá? Ele! O amante dos Gnomos. Retomaram o fio da meada:
- Você gostaria de ver o Gnomo que mora aí em frente?
- Claro.
Telefonaram para o Davi. Ele estava de saída, iria viajar, mas diante das circunstâncias considerou que valeria a pena se atrasar um pouco.
A avó do menino levou o garoto até a janela. Mal o garoto chegou à janela e o Gnomo abriu a porta que dava para o telhado. É que Davi morava na cobertura do prédio. Ele saiu em passos lentos, pareciam coreografados. O Davi já fez teatro Butô e, finalmente, pode usar tudo que aprendeu. O menino em êxtase perguntou:
- Esse Gnomo é aquele que sobe em árvores?
- Não, esse é aquele que sobe em telhados.
O Dr. Cizar passou o aparelho de telefone para o menino:
- Fale com o Gnomo.
O menino apanhou o telefone:
- Alô, Gnomo?
- Pois não.
Davi, digo o Gnomo, tinha um telefone sem fio.
- Você é o Gnomo?
- Claro que sou, você não está me vendo?
- Então pula em cima daquela árvore, sugeriu o garoto.
- Ah, eu não posso. Estou de viagem marcada, vê esta mala?
Ele trazia uma pequena valise em sua mão direita. O garoto achou o argumento razoável e fez outro pedido:
- Então sobe no telhado.
O Gnomo sentou-se sobre o telhado com muito garbo. Estava adorando aquela brincadeira. O garoto pediu detalhes:
- Para onde você vai viajar?
- Vou visitar minha família lá na floresta.
- E quando você volta? Perguntou aflito o menino.
- Devo ficar um bom tempo por lá, estou com saudades da minha mãe, mas eu volto.
- Oba!
- Só quero te pedir uma coisa.
- Pode falar. O garoto era todo ouvidos.
- Não comente que você me viu, pois muitas pessoas não acreditam em mim. Pode ser que você às vezes não me veja, é que costumo ficar invisível. Mas eu vou estar sempre por aqui.
- Pode deixar.
- Agora, eu tenho que ir. Vou para floresta.
- Eu te amo gnomo.
Tamanha foi a euforia dentro do quarto que difícil era saber quem estava mais empolgado, se o menino, a sua avó ou os dois palhaços.
Duas enfermeiras acudiram apressadas. Vieram conferir o motivo de tamanha balbúrdia. Ficaram olhando maravilhadas o Gnomo que havia encantado o quarto, o garoto, a avó e os palhaços.
Neste momento, entrou a enfermeira chefe com ares de autoridade pronta para restabelecer a ordem.
- O que está acontecendo aqui? Perguntou com ares inquisidores.
- É um gnomo que está no telhado do vizinho. Apressou-se em responder uma das enfermeiras sem sequer se aperceber do tamanho absurdo que havia acabado de dizer.
Como o Gnomo estava ficando atrasado para a sua viagem, encerrou sua aparição. Quis o destino que a partida do Gnomo acontecesse em perfeita sincronia com a chegada da enfermeira-chefe até a janela. Ela olhou e confirmou a sua desconfiança: Não havia Gnomo algum!
Por via das dúvidas indagou ao garoto:
- É verdade que tinha um Gnomo lá fora?
- Gnomo? Aqui? Não. Não vi nenhum.
A enfermeira chefe confirmou suas suspeitas. Que Gnomo que nada! Virou-se para as duas enfermeiras e num tom severo repreendeu-as tal qual faria uma madre superiora:
- Voltem imediatamente ao trabalho! Depois conversaremos.
Saíram as enfermeiras e a superiora, ficaram os palhaços, o garoto e sua avó.
O menino caiu num choro convulsivo, era uma espécie de transe. O Dr. Cizar tentava acalmar o menino, mas nada parecia capaz de tirá-lo daquela crise de choro.
Entre um soluço e outro, o menino recuperou o ar e explicou-se:
- Eu estou chorando de alegria... Estou muito abalado. Façam alguma coisa para eu rir, e num tom suplicante facilitou a tarefa dos palhaços; façam qualquer coisa...
Que dia! Emily e Cizar atenderam aos clamores do garoto. Fizeram uma gag clássica de bater com a cabeça na porta ao tentarem sair do quarto. O menino agradeceu aliviado e disse que agora os palhaços já podiam ir embora, pois já estava mais calmo.
Na visita seguinte àquele hospital, o Dr. Cizar e a Dra. Emily foram interrompidos em seu horário de almoço por uma das enfermeiras que havia testemunhado a aparição do Gnomo. Ela lhes fez um pedido:
- Olha, eu vi o Gnomo e minha colega também, só que ela tem fama de ser meio piradinha... Daí que eu fico meio mal. Vocês não poderiam explicar o ocorrido à minha superiora e confirmar a visita do Gnomo para ela?
- Pois não, vamos pedir ao Gnomo qu