Tema para algum dia
Neste mister de escrever todas as semanas e anos a fio, - lá se fora mais de meio século, - muitas e muitas vezes se socorre o jornalista tanto de improvisos como também de trabalhos elaborados.
De rigor, raramente seria possível prever a reação do público, de si tão diverso. Afinal de contas, até se diga ato de coragem a exposição de ideias originada numa só pessoa e entregue à consideração tão dispersa como a dos leitores, cujas preferências não se conhecem.
Move o ânimo do articulista, aquilo que se expressa por uma menção antiga, de que se lhe misturam ao sangue as tintas pretas das gráficas. Algo natural e autêntico, a autorizar por isso a tese de que jornalista não se fabrica. Eles nascem. No imaginário dos moços soa vã e estranha essa afirmativa, frutos que são da temática contemporânea que, bem vinda afinal, inaugurou recursos da técnica e da informática. Efeitos da era digital, ao poupar aos profissionais – ou privá-los talvez – do ambiente quente e insubstituível das redações de outrora, distribuídas por entre as máquinas. Tudo hoje é vertiginoso.
Essa afirmação decorre exatamente porque ora o tempo o obriga a correr um pouco, premido pelo prazo da remessa à redação, ora, diferentemente, desfruta-se de espaço para um estudo mais profundo do tema. Em ambas as hipóteses, porém, não se faz previsível a dimensão de como os destinatários recebem a mensagem.
Curiosamente, eis que ocorre lembrar, entre outras, de uma crônica feita às pressas e sem maior cuidado, que no entanto repercutira favoravelmente. Aquela de quando trancada a garagem por um veículo estranho, impedido de sair, travou-se durante a espera longo e imaginário papo com plantinhas, minúsculas e tenras, elas teimosamente brotadas num vão mínimo no canto da parede. Repetida a matéria a pedidos, mais de uma vez, até o título fora-lhe ao depois melhor amoldado. Consagrou-se enfim como “Tão flores como as flores”, simples gramíneas que eram.
De elaboração também paciente e calma, na intenção de se tecer pensamentos sobre o que seria o “conceito” das pessoas. Exatamente esse o título então: “Conceito”. Houve leitor, amigo evidentemente e a quem muito se preza, que cuidou de levar para reunião noutra praça as considerações ali enfeixadas.
Uma dedicação mais cuidada, noutro momento, também ficou externada no enfoque de matéria que trouxe por título o vocábulo “Maledicência”. Engraçado, inclusive, que numa roda de amigos, agora decorrido bom tempo dela, alguém a sugerir que essa crônica fosse de novo publicada.
A gente está aqui aqui a referir momentos de quando mais se improvisa – como agora – ao lado de circunstâncias que ou pedem necessariamente estudo acurado ou surgidas mesmo espontaneamente e que ganham destaque.
No caso específico da abordagem sobre conceito e maledicência, dir-se-ia resultado mais propriamente de longa e às vezes quem sabe de uma crescente e inconsciente coleta de impressões no dia a dia. De repente, de inopino, ei-la, a matéria concebida no seu todo.
Deve vir à luz algum dia, dentro dos propósitos do escriba, um enunciado a respeito do que seja ou possa ser a “insolência”. Trata-se de reflexo anormal, eis que, com a cor e propósitos algo indefinidos, ganha logo a feição de “molecagem”.
Ela é de ordinário sutil. Mais própria de adultos, que se permitem usar o malefício, a despeito da idade e do pretenso conceito de que desfrutam.
Encontradiça em poucos, infelizmente ela existe.
Será tema para algum dia.
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- bernardo campos