Publicado: Terça-feira, 10 de julho de 2007
Teoria da fila
É engraçado ver como fazemos amizade fácil em filas, você já notou isto? A fila é o local onde todos estão em pé, desconfortáveis, mas mesmo assim dispostos a reclamar em conjunto sobre o atendimento, comentar sobre alguém à nossa frente, trocar receitas e discutir o capítulo da novela; isso quando não fazemos tudo ao mesmo tempo. E se a fila for daquelas boas, grandes, que duram horas, aí sim, dá tempo de reclamar do marido, da vizinha invejosa, e até das benditas varizes, provocadas por ficar tanto tempo em pé, em filas.
Entre uma dessas longas e desnecessárias filas – afinal, se colocassem mais atendentes o negócio ficaria mais fácil - enfim, foi que a verdade inquestionável se fez na minha frente: uma dúvida cruel e por ela gastei horas pensando numa solução.
O seu governo, digo isso por que meu é que não é, estipulou o sistema de cotas, a meu ver extremamente discriminatório, ao qual não faço parte, sou branca, tive que suar pra “passar” e fazer duas faculdades. Olhando a fila ao lado, reservada a idosos, percebo também que não me encaixo, pois tenho “apenas” 34 anos. Pensando no estacionamento do shopping, me constranjo: não sou deficiente, portanto vou ter que ficar rodando um tempão até achar uma disputada vaga. No supermercado também não sou beneficiada, pois alem de não ser gestante, nunca tenho menos de dez volumes. Na farmácia não é diferente, não tenho convênio nem criança de colo.
Por um momento pensei que estava exagerando, e me lembrei da placa no centro da cidade, sobre aulas de dança de salão; me animei, mas um segundo depois, me lembrei das pequenas linhas ao final do mesmo, onde lia-se ser um excelente exercício para casais apaixonados. Marido, namorado, amante, onde?
Se tentasse conseguir pagamento da cota mínima de luz, não poderia: ganho mais que um salário mínimo. Empregos exclusivamente masculinos, não me cabem. Boates para homossexuais não rola, sou hétero. Lutar por terras junto à FUNAI não dá, nem de longe tenho sangue indígena nas veias, o máximo que chego deles é ter, como o de hoje, um “programa de índio”.
Não teria ajuda no gás, nem cesta básica, nem tampouco salário desemprego. Todos nesse país têm benefícios, e eu? Sou hétero, mulher, solteira, branca, classe média, superior completo, descendente de bravos imigrantes, profissional liberal, moderna, independente, não me enquadro nesse mundo de cotas e segregação. Que culpa tenho eu!
Minha indignação vai crescendo e toma conta do meu ser, me enfureço, a fila não anda, preciso pagar conta que nem minha é. Saio do meu lugar e procuro por um atendente com olhar amigável. Um pouco de empatia, encontro um e assim que exponho toda a minha indignação, recebo como resposta que se eu fosse cliente exclusiva do banco, ele teria a maior satisfação em ajudar!
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