Todos não são iguais
Sempre que me avisto com o “Zé de Lá”, eu o encontro de bom humor: uma característica desse cidadão. Além de, se um tanto tímido, ser eminentemente simples e bom.
Há de se entender, pois, o espanto de eu o cumprimentar naquela manhã e ele responder com um balbucio ininteligível, sem sequer me olhar de frente. Tão boa índole, a dele, que cheguei até a achar graça na falta de jeito do Zé para se mostrar aborrecido.
“Zé de Lá”. Por que o apelido? Ao servir-me em parte de seu próprio enunciado, diria também: sei lá.
Mesmo assim, achei correto querer saber de tudo, inclusive para ajudá-lo, se preciso.
Deu enfim para entender.
A desatenção, mesmo que seja por descuido, pode se tornar maior na sua gravidade, quando ela ocorre em relação a alguém mais sensível.
Acrescente-se às qualidades do Zé, o estar disponível e solícito. Não se preocupava com primeiro analisar a pessoa, seu semblante e suas condições. E essa presteza não acontecia porque tivesse tempo de sobra nas lidas diárias. Dono de pequeno comércio, abria a loja às oito – fazia as refeições ali mesmo – e fechava as portas às dezoito horas.
“Zé de Lá” era sozinho.
A verdade, entanto, é que, embora caseiro, distraía-se com meia hora antes do trabalho e à noite, entre as dezenove e vinte horas, pouco mais, pouco menos, com participar da costumeira roda de parceiros, na atualização das novidades do dia, embora fosse, ele mesmo, de pouco falar.
Nesse meio, fora convidado pelo Joel para apadrinhar um sobrinho dele, que iria receber proximamente o sacramento da Crisma. O Zé exultou.
Sim, dá para compreender então sua resposta, quando afinal lhe lancei em rosto a pergunta:
- Zé, vai contar ou não? Que é que tanto o preocupa?
Veio a explicação. Dia anterior, o Joel, entre acanhado e sem jeito, pedira desculpas ao Zé. Lembrara-se de outro nome, parente que chegaria de longe, a quem um ano antes – tinha-se mesmo esquecido – fizera o mesmo convite. Dispensara o Zé. O choque foi tão contundente que ele não respondeu nem comentou.
Deveras, todos não são iguais.
Há de existir certo apuro nas relações, porque, no seu íntimo, cada qual recebe as notícias – as impactantes sobretudo – diferentemente.
“Zé de Lá”, a despeito de ter suportando incômodos, como, por exemplo, não receber de volta dinheiro emprestado mais de uma vez, nesta, capitulou. Entrou numa fase depressiva da qual só se safou a muito custo.
Vira-se primeiramente alvo de consideração particularíssima e significativa para ele, solteiro e sem parentes próximos, porque moravam em região distante. Logo em seguida, a frustração do desfeito.
Não uniformize ou amolde como se parecidos fossem, os entes próximos, porque, definitivamente todos não são iguais.
Muitas pessoas trazem consigo o condão de uma leveza de alma e de sentimentos. Dão tudo de si e, quando afrontadas, tornam-se vítimas de um tombo maior do que possa parecer.
- Tags
- bernardo campos