Trapalhada Ortográfica - Parte 1
Sei que muitos não se interessarão pelo conteúdo da série de artigos que publicarei a partir desta semana. Mas conto com a boa vontade de todos, lembrando que certamente muitos profissionais das áreas da educação e da imprensa, amantes da leitura e da escrita, poderão tirar dela algum proveito.
O ano de 2009 brindou os brasileiros com a novidade da reforma ortográfica da Língua Portuguesa, oficial do país. A lei foi sancionada e regulamentada pelo Presidente Lula, dando prazo para que entre plenamente em vigor até 2012. Assim, a partir de 2013 todas as mudanças em nossa ortografia passarão a valer para o uso da norma culta, em documentos oficiais, em concursos públicos, em exames vestibulares, etc.
Antes de tudo, sugiro refletirmos sobre a necessidade de trabalho tão grandioso. Afinal, uma reforma ortográfica era mesmo necessária? Todos conhecemos as diferenças que o uso da Língua Portuguesa adquiriu no Brasil, em Portugal, no Timor Leste e países africanos que também são lusófonos. E aqui cabe ressaltar um aspecto político: as ex-colônias portuguesas ainda seguem a grafia usada em Portugal, somente o Brasil que não.
Por aqui escrevemos “fato” e para os patrícios é “facto”. Mas as diferenças não são apenas ortográficas, são também fonéticas. Por aqui falamos “prêmio”, com a entonação do “e” fechada. Por lá os patrícios falam “prémio”, com a entonação do “e” aberta. Além disso, há diferenças também de interpretação devido aos diferentes costumes entre os países. Para os brasileiros que chegam em Portugal, é quase um escândalo “tomar uma injeção nas nádegas” ou “entrar numa fila”.
A Língua Portuguesa não está entre as mais utilizadas no mundo. O Brasil é o maior país do planeta a utilizar tal língua como oficial, seguido de Portugal e mais oito países, todos africanos, menos o Timor Leste. Mesmo assim, o grande argumento dos favoráveis a uma reforma ortográfica seria facilitar o trâmite de documentos internacionais entre os lusófonos e a difusão das obras escritas em português mundo afora, unificando o idioma quanto à sua ortografia.
O expediente da reforma ortográfica é necessário de tempos em tempos. Em si mesma, não é um mal. Os que hoje estão na casa dos 50 anos de idade, certamente se lembram de ter passado experiência semelhante nos anos ‘60. Naquele tempo, ainda era permitido escrever “bôlo” e “êle”, por exemplo.
O problema, então, não é fazer uma reforma ortográfica, mas sim fazê-la de qualquer jeito e apressadamente. Pior ainda: em vez de torná-la instrumento para esclarecimento, permitir que seja ponto de discórdia e confusão entre os estudiosos e a população em geral.
Em entrevista ao site UOL Educação (www.uol.com.br), o renomado professor Pasquale Cipro Neto deixou registrada em depoimento de 30 minutos a sua total discordância com o processo da atual reforma ortográfica. Entre os predicados a esta impostos por ele, ressalto os termos “desnecessária”, “incompleta”, “atrapalhada” e de “alto custo”.
O Professor Pasquale analisa bem a questão e explica todas as suas razões por ser contra a reforma ortográfica, defendendo suas opiniões de modo muito prático e elucidativo. Que me lembre, não vi ninguém da ala favorável à reforma manifestar-se com tanta convicção e propriedade. E isso nos passa a ligeira impressão de que talvez queiram fazer com que a reforma seja deglutida à força por toda a nação brasileira. Imposta sem debates e sem participação do povo que, ao fim e ao cabo, é quem realmente precisa utilizar corretamente a Língua Portuguesa.
(Continua)