Um Conto de Natal
Dirceu estava feliz. Naquela véspera de Natal conseguira um bico no centro da cidade. Foi um serviço à toa: servir de vigia em uma loja de roupas a manhã inteira. Sequer custou muito trabalho. Tinha apenas que ficar de olho caso alguém com más intenções resolvesse se apropriar de algo indevidamente. Tarefa cumprida, veio o pagamento: cincoenta reais. Há tempos ele não via uma onça de perto.
Vida difícil a do nosso Dirceu. Vivia dificuldades comuns a milhões de pais de família desempregados país afora. Em casa, a esposa e os três filhos o esperavam. A mulher compartilhava com o marido os desafios diários. Também ela sem emprego, se virava fazendo faxinas ou lavando roupa dos outros. As crianças já estavam acostumadas a não pedir presentes. Queriam mesmo era um doce ou alguma comida diferente para a ceia.
Os cincoenta reais não durariam muito. Dinheiro na mão de pobre não é pra durar, é pra atender as necessidades do dia ou da semana. Tem sempre muito mês no fim do dinheiro. Antes de voltar para o lar, o chefe de família foi com a onça ao supermercado mais próximo. Ao menos teria uma janta mais ou menos para comemorar o nascimento de Jesus.
Sim, Dirceu era crente em Deus e acredita na encarnação do Salvador para a redenção dos homens. Fazia o sinal da cruz ao passar na frente da Igreja e trazia pendurado no pescoço um cordão com a medalha de Nossa Senhora Aparecida. “Se Jesus sofreu pra tocar a vida” pensava ele, “quanto mais eu que nunca fui santo e nem nada”.
Aos olhos dos mais abonados, os produtos comprados por Dirceu não tinham nada de mais: um pacote de macarrão parafuso; massa de tomate; ervilhas; milho; seleta de legumes; azeitonas; salsicha; maionese; duas garrafas de refrigerante; frango congelado; farofa; uma lata de goiabada; uma lata de doce-de-leite; uma caixa de bombons.
Após o caixa, foi-se embora a onça. Mas restaram alguns pardais e algumas sacolas cheias, o que certamente deixaria a patroa e as crianças abastecidas na ceia natalina. Dirceu agradeceu a Deus, sentiu um certo alívio e não pensou no dia seguinte. A cada dia o seu problema e o daquele dia já estava resolvido.
Foi para o ponto de ônibus. Morava a trinta quilômetros da cidade, num bairro da periferia. O circular demorava a passar e enquanto isso Dirceu reparou melhor num senhorzinho sentado num dos cantos do banco daquela parada: calça jeans surrada; chinelos nos pés sujos; um boné velho na cabeça e uma camisa quase em trapos. Trazia uma pequena mochila nas mãos e carregava duas sacolinhas.
Dirceu já tinha resolvido seu problema. Mas e o problema dos outros? O que seria de quem não tem nada? Mas se os governantes e os doutores não tinham como e nem porquê ajudar gente tão pobre, como um outro pobre como ele poderia ajudar? Lembrou então do Menino Jesus, que também nasceu pobre. “Quando Jesus nasceu, acho que Maria e José estavam tão pobres quanto eu hoje”, pensou.
Pensou então nos pardais. Não aqueles que voam, mas os que ainda restavam em seu bolso. Contou os caramingués, pegou o da passagem e aproximou-se do senhorzinho. “Toma aqui, tio... Se o senhor precisar de algo...”. O senhorzinho agradeceu. Mas não esboçou nenhum sorriso. Que tipo de fardo carregava aquele homem sem eira e nem beira, que sequer conseguia expressar um simples sorriso de alegria?
Não havia mais tempo para reflexões. Já estava feito e o ônibus de Dirceu chegou. Antes de embarcar perguntou de longe o nome do senhorzinho. E este, ao responder, causou-lhe grande surpresa: tinha o mesmo nome de seu finado pai! Dirceu voltou pra casa olhando a paisagem de sempre, pensando na coincidência com os nomes, lembrando do pai também pobre e trabalhador, ruminando quantos desses senhorzinhos não exisitiriam mundo afora.
Ao chegar em casa, não contou nada para a patroa e nem para a criançada. Guardou aquele mistério só para si. Não entendia bem o que tinha feito e nem o que tinha acontecido. Mas sabia ter agido com o coração. Foi uma boa ação, um gesto concreto de solidariedade. “Jesus faria o mesmo”, pensou. E estava certo em suas ruminações.
Semanas depois, passados os festejos do fim de ano, Dirceu foi chamado para um emprego na construção civil. Era seu ofício afinal, mesmo depois de tantos meses parado. Agradeceu a Deus e lembrou-se da caridade feita com aquele senhorzinho, recordando que Jesus prometeu devolver em dobro ou em triplo todo o bem que fizermos a cada irmão necessitado.
Desde então Dirceu fez uma promessa: continuaria ajudando, na medida do seu possível, todos os senhorzinhos que encontrasse. Estivesse empregado ou não, seria sua forma de agradecer a Deus por sua vida, sua família, sua saúde e tantas outras coisas.
Este caso, baseado em fatos reais, pode ou não ter acontecido às vésperas do Natal. Mas isso na verdade não importa muito. Qualquer tempo é tempo de abrir o coração para Cristo. Qualquer tempo é tempo de deixar a caridade nascer, destruindo a insensibilidade e a desconfiança, o egoísmo e a indiferença. Qualquer dia é dia de Natal, se em cada dia voltarmos nosso olhar para a gruta de Belém.
Amém.