Um dedo de prosa ou prosa cheia de dedos
Resolvi escrever sobre algo que pode parecer tão simples, mas é tão complicado. O diálogo.
Uma prática aparentemente tão corriqueira como soltar a prosa e papear é uma das mais importantes fronteiras na tão necessária transformação nas organizações e na sociedade em geral.
Dialogar é mais do que falar com alguém. É ter a difícil capacidade de escutar. Escutar com a mente e a alma, aberto para mudar nossa opinião sobre as coisas. Escutar disposto a rever nossos pensamentos. A maior parte dos diálogos que eu assisto são formados por pessoas com seus próprios discursos. Uma espera que a outra fale, para falar então o que já havia pensado antes. O que foi dito pelo outro mal é escutado.
A possibilidade de dialogar para construir ainda é uma barreira cultural tremenda. O diálogo é usado para resolver ou transmitir. A idéia de que o conhecimento, a criação e o próprio futuro podem ser construídos durante o diálogo, ao invés de precedê-lo, é estranha para a maioria das pessoas inseridas hoje nas organizações em geral. Isto é empobrecedor, pois dialogar é um meio, e se o meio não for percorrido, o destino será menos grandioso do que poderia ser.
Ouvir uma crítica, preocupando-se mais em entendê-la e pensar sobre ela do que em rebatê-la. Todos dizem que fazem isto, e quase ninguém faz realmente. Preste atenção: Quando receber uma crítica dura, quanto tempo você levará para responder? Se levar menos do que trinta longos segundo, é porque realmente não a escutou. O diálogo implica em um espaço vazio entre as falas. Um espaço de silêncio que será preenchido naturalmente quando a hora certa chegar. É o vazio que possibilita o novo. Algo, quando dito, deve encontrar espaço para ser escutado, processado, antes de fazer parte do pensamento, e da fala, seguinte. Este vazio angustia a quase todos, que ansiosos por preencher o silêncio, dizem qualquer coisa sem pensar no que acabou de ser dito. Reagem ao seu sentimento mais superficial sem tentar entender o que sentiram e, a partir daí, tentar entender como foi afetado pelo que escutaram.
Exercitar o diálogo é fundamental para o nosso futuro. Ler este texto não basta. O exercício é indispensável. Gosto de contar a passagem na qual vi monges budhistas discutindo em Dharamshala, monastério onde vive o Dhalai Lama, na Índia tibetana. Em duplas, dezenas deles permaneciam sentados, com as pernas cruzadas, enquanto outros, em pé à sua frente, gritavam com eles e faziam gestos agressivos. Perguntei a eles o que estava fazendo, e me responderam que estavam treinando o corpo e a mente para dialogar sem reagir com violência às agressões.
Se não conseguirmos tomar contato com nossas emoções e incorporá-las conscientemente em um diálogo, não poderemos acessar o conteúdo da prosa. E fazer isto demanda exercício e treino. Dialogar demanda aprendizagem. E nós precisamos disso.
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