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Publicado: Segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Um gole seco

Um gole seco
Escultura de Derek Kinzett

Selada pela garoa cinza e as gotículas se conectando no para-brisas, sua boca descolou quando a viu desfilar entre os carros parados no congestionamento; o cabelo fatiado no rosto e os olhos adocicados foram hipnose à primeira vista. Ele baixou o vidro, então sua língua submergiu aspirando o desejo ácido e lambendo palavras doces tais qual a amora mais escura, mas a moça só fazia sorrir sem mostrar os dentes e balançar a cabeça feito alegoria no painel de taxista. No braço fino e sujo ela tinha desde balinhas de eucalipto até chocolate suíço. Quando ele colocou epílogo na voz que trazia pouca prosa e muita poesia, ela emendou atropelando o ponto final: "É três pelo preço de um", disse, ignorando os galanteios. Ele também fingiu surdez, fechou os olhos e soprou outra ode desafinada como um boêmio seresteiro. Ela aproveitou para sair silenciosa. Quando o cabra abriu os olhos, viu-se só, cessou a cantoria e umedeceu a soberba carne de seus lábios suavemente para levar saliva goela abaixo.

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