Publicado: Quinta-feira, 16 de novembro de 2006
Um Guia Perdido na Cidade
Aos domingos pela manhã, quase sempre, tenho o costume de percorrer o Eixo Histórico. De cima a baixo vou reencontrando com os lugares mais bonitos que conheço. É a minha oportunidade de sentir orgulho, de reviver minhas origens, de me reconhecer entre tantos fatos que tornaram o povo paulista tão forte.
Correndo o risco de ser confundido com mais um turista perdido, reduzo a velocidade na esquina da rua 7 de setembro, e me recordo das fotografias antigas que encontramos no Museu Republicano, das ruas estreitas, da fachada barroca da Igreja da Candelária, e dos religiosos levando as telhas para cobri-la, fato registrado em um dos azulejos do museu. Ao retornar de meu devaneio momentâneo, encontro os mesmos fiéis da Igreja, agora se encontrando para a missa tradicional de domingo. Do outro lado, uma família de fora. Nitidamente, sem disfarçar, os adultos sempre se encantam com a beleza da atual fachada neoclássica enquanto que, as crianças, não tiram seus olhos brilhantes do semáforo gigante.
Não muito raro, paro o carro e saio caminhar um pouco, é interessante ver como os paulistanos, os campineiros, até os estrangeiros que vêm atrás do bife a parmegiana mais saboroso do país, valorizam nossa cultura bem mais que nós, ituanos. Eles se encantam, se divertem, consomem nossa história, se deliciam em nossas tradições. São mais orgulhosos que nós de nossa cultura. Do mesmo modo as crianças. Saltitam, gritam, não se agüentam de alegria ao encontrar as coisas grandes na loja de lembranças, afinal, é um lápis gigante! E saem realizadas, e sobrecarregadas de sacolas, de presentes, de lembranças de sua visita.
Vez ou outra, sento em um dos bancos do lado sombreado da praça Padre Miguel, e fico ali lembrando. Recordo-me que em 2002, perto do centro da praça ficava uma mesa, um guarda-sol azul, e duas ou três cadeiras. De preto e branco, os monitores faziam plantão aos finais-de-semana. Ao menor gesto de dúvida logo saltava um de nós, sorriso no rosto, folders a mão, de encontro ao turista. De início, a família ficava receosa, e sutilmente ia afastando-se da abordagem. Com jeito, e um repertório de mais de 300 anos de história local, aos poucos ia cativando, contando as curiosidades, mostrando e entregando os mapas, e pronto! Quase sempre, éramos surpreendidos no final do dia, pela mesma família dizendo tchau! Naquele tempo havia poucos monitores, e muita vontade.
Há cinco anos, quando saí da Escola Técnica, e há dois, quando me foi entregue a credencial de Guia de Turismo, vi algumas coisas se transformando. Mas hoje percebo, exatamente, o significado da expressão resultado em longo prazo. Paciência. Na época, o nosso turismo ainda engatinhava, e garimpando encontrávamos uma ou outra oportunidade de crescimento. Em uma das Estâncias Turísticas mais antigas do Estado, pouca coisa mudou em tantos anos. Assim como hoje eu caminho pelo Eixo Histórico e encontro os turistas ainda sedentos por informação, eu vi Roteiro Caipira, História Viva, Cavalgada da Lua Cheia, todos enchendo os peitos ituanos de orgulho. Iniciativas valorosas que tomaram de encanto os turistas. Mas, ainda falta alguma coisa.
Receio que falta aos ituanos fazerem como eu. Aos domingos, passear pelo Eixo Histórico, entrar no Museu Republicano, sentar no banco da praça, e identificar o turismo movimentando a economia local. Parar por alguns instantes na Fábrica São Luiz, subir no andar superior do Museu da Energia, checar se realmente existe um anjo mulato no forro da Igreja do Carmo. Identificar-se como dono dessa cultura. Falta aos empresários, poder público, sentar debaixo de uma frágil tenda montada em meio à chuva, e perceber que mesmo assim, os turistas chegam a cidade. Perceber que os resultados virão sempre que se persiste, quantas tentativas forem necessárias. Entender a necessidade de políticas públicas voltadas ao Turismo, duradouras, planejadas.
Mesmo assim, quando termino meu passeio aos domingos de manhã, após sentir-me novamente pela primeira vez integrado em 396 anos de história, é que encontro forças para continuar buscando no Turismo o meu futuro. Cruzo a Praça D. Pedro I acenando ao Imperador, e vou-me embora tendo a certeza de não ser mais um Guia perdido na cidade.
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