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Publicado: Quarta-feira, 9 de junho de 2010

Um peixe fora d'água

Um peixe fora d'água

Essa é do meu tempo nos Drs. da Alegria:

Entramos no quarto de um menino conhecido nosso. Ele tinha cinco ou seis anos e nos recebeu muito cabisbaixo, com desinteresse e uma tristeza quase profunda. Logo, sua mãe veio falar conosco.

- Vocês não sabem: lembram quando vocês vieram aqui e deixaram aquele peixinho em baixo do cobertor dele?

- Claro, aquele cobertor azul, lembro bem.

- Pois é, ele ficou louco da vida por que não encontrou o peixinho. Fez escândalo, chorou, dizia que o peixe estava lá por que o palhaço tinha colocado e pronto. Não havia jeito de fazê-lo entender que era só uma brincadeira de vocês. Agora vocês precisam resolver isso, ele quer por que quer o tal peixinho. Não sei como vocês vão fazer.

Enquanto a aflita mãe falava, uma enfermeira de passagem pelo corredor, aproximou-se. Ouviu o relato e, sem dizer palavra, olhou-nos com ares interrogativos. - A gente sabe, fiquem tranqüilas, vocês devem ter procurado muito mal. Fui eu mesmo quem coloquei o peixinho lá. Vou encontrá-lo, deixem comigo.

Na semana anterior retiramos um peixe da jarra d’água que ficava numa mesa ao lado da cama da criança. O menino perguntou-nos, preocupadíssimo com o destino do peixe, o que faríamos para mantê-lo vivo agora que estava fora da água. A Dra. Zuzu respondeu de bate pronto:

- Vamos colocá-lo no mar.

O menino não conseguiu esconder seu espanto; esperava algumas explicações: Qual mar? Onde? Como?

A Dra. Zuzu levou o peixe que estava em suas mãos em direção ao cobertor azul que cobria a cama do garoto. Fez alguns movimentos com as mãos e, zaz!!: o peixe havia sumido dentro do cobertor azul. Estava de volta ao mar.

O menino olhou para o cobertor azul e pareceu aprovar a idéia do lindo mar azul.

Agora o peixe tinha sumido. A dra Zuzu tomou a frente:

- Sabe o que eu acho?

O menino fez que não com a cabeça. A mãe e a enfermeira acompanhavam do batente da porta.

- Ele deve ter ido nadar numa lagoa perto daqui.

 Duvidei um pouco da explicação simplória de minha parceira, mas, o menino não.

- Acho que ele foi nadar com seu pai e sua mãe!

E antes que tivéssemos tempo de concordar com a versão do garoto, ele continuou:

- O pai dele é bem grande e é azul. A sua mãe é menorzinha, mas é cor de rosa. Eles foram voando para uma lagoa perto daqui.

Eu e minha parceira, sentados na beirada da cama, ouvíamos a estória que o garoto nos contava com tanta empolgação. O garoto descrevia a família do peixinho com tantos detalhes fantásticos que a Dra. Zuzu sugeriu que ele desenhasse a turma toda numa folha de papel. O garoto, imediatamente, se pôs de joelhos diante da folha de papel com todos os seus lápis coloridos. Em pouco tempo, lá estavam todos: o seu peixe, seu pai mais azul ainda, sua mãe cor de rosa e um mundo encantado cheio de cores, cavalos marinhos e monstros do mar.

A mãe e a enfermeira, encostadas no batente da porta, admiravam a capacidade criativa da criança. A cena foi toda dele.

Terminada sua apresentação, passou a recolher seus desenhos, guardar seus lápis coloridos e arrumar o cobertor azul sobre a cama de modo a não deixar um vinco sequer.

Acompanhou-nos até a porta de seu quarto e nos despachou:

- Boa viagem. E tomem cuidado.

Acenou com a mão e voltou para dentro do seu quarto com seu desenho-mágico cuidadosamente seguro pelas pontas de seus dedos. Atrás dele seguiu sua mãe satisfeita.

Eu não sabia exatamente a qual tipo de cuidado o menino se referia, mas achei prudente ficar atento. A enfermeira veio atrás de nós e nos deu uma dica:

- Vocês precisam saber onde colocam as coisas que deixam com as crianças, senão elas ficam desesperadas e a gente nem consegue trabalhar. Passamos o tempo todo procurando peixinho, vaquinha, macaquinho. Ninguém merece... Vocês vão embora e quem fica com o abacaxi somos nós.

Eu não sabia se pedia desculpas ou se fazia uma piada. Não fiz nem um nem outro. Não tive tempo. A enfermeira era muito veloz, disparou apressada e logo sumiu.

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