Uma nova família
No barraco há gritos, choro e o disparo de um tiro.
O pai, embriagado e furioso ameaça a esposa de morte dizendo que vai mandá-la para o inferno com sua trempe de filhos.
As crianças se encolhem atemorizadas e a mãe grita para eles:
- Vão embora antes que seu pai os machuque!
Robson, o mais velho, toma a irmãzinha mais nova no colo, agarra a mão da outra e sai correndo pela rua. Nilton e Dirce correm atrás, chorando.
São ainda muito pequenos, mas Robson não tem mais uma mão para oferecer-lhes, nem teto, nem comida, nem segurança. Não tem a menor ideia de para onde irão e de como vão viver dali por diante...
As cinco crianças lembram folhas arrancadas de uma árvore pela tempestade ou penas desprendidas de um pássaro ferido.
Encolhidos, juntinhos, abrigam-se sob um viaduto onde já se alojam outros moradores de rua e acabam dormindo. São crianças e não avaliam o tamanho da sua desventura...
De manhã não se surpreendem quando veem a mãe que vem buscá-los para levar para casa.
O pai acalmou-se, saiu para a rua e tudo estava certo, dentro do possível.
Mas, algum tempo depois a mãe entrou em um supermercado com as crianças e mandou que cada uma delas escondesse alguma coisa por baixo da roupa enquanto ela fazia uma pequena compra.
O segurança percebeu e acionou a polícia.
A mãe foi presa e as crianças encaminhadas a uma instituição para menores abandonados.
Comprovada a falta de condições dos pais, foi determinado que as crianças fossem dadas para adoção. E não tardou que cada um deles fosse adotado por uma família diferente e os irmãos se separaram para sempre.
Desabafo do Robson
Fui adotado por um casal que eu nunca tinha visto antes e que já tinham três filhos.
Compraram-me roupas, calçado, pente, escova de dentes e mais uma mão de coisas que eu nem sabia como usar.
Disseram que eu devia chamá-los de “Mamãe e Papai” e que as crianças eram meus novos irmãos.
No começo foi interessante. Era uma vida nova, numa bela casa, com muita comida, brinquedos, boa cama, uma mochila com absolutamente tudo o que eu precisava na escola onde ia estudar.
A escola também era chique, grande, afamada e cara, mas eu era o único aluno negro e isso me fazia destoar no meio dos outros.
Na minha nova família também eram todos brancos e eu me sentia o diferente.
Meu novo pai percebeu meu constrangimento e tentou dizer-me que a cor da pele não importa desde que sejamos, bons, honestos, estudiosos, essas coisas que todo mundo sabe que é balela.
Minha avó quis convencer-me de que é bom ser o diferente.
“Se houver um buquê de rosas brancas e apenas uma vermelha, a vermelha será mais valorizada”.
Será?
Nos primeiros dias todos me agradaram muito, mas logo passaram a querer me educar e se tornaram terrivelmente chatos.
Na casa de meus pais verdadeiros, quando tinha comida, a gente precisava comer depressa se não os outros comiam tudo e a gente ficava sem nada. Comia com a colher ou com a mão e ninguém se importava com isso, o importante era matar a fome que ameaçava nos matar.
Aqui tem todos os dias, comida variada e muito boa, mas a mamãe quer que eu coma devagar e que use o garfo e a faca como “gente” (palavra dela).
Apesar da fartura, as horas das refeições são um martírio para mim.
Eu vou muito bem na escola. Melhor do que a maioria de meus colegas, mas a professora insiste em me dar nota baixa porque eu sou briguento e falo nomes feios.
Então a gente não pode se defender?
Meu pai dizia que a gente tem que ser valente para os outros nos respeitarem;
Meu novo pai diz que a gente não deve começar uma briga e se os outros começarem, sair de perto...
E ouvir os outros gritarem: “Correu de medo...”?
Pois sim!
O sonho de meu novo pai é ter um filho médico.
Os filhos verdadeiros (eles insistem em dizer que eu também sou um filho verdadeiro, embora não seja “biológico”. Que será isso?) não gostam de estudar e vão muito mal na escola. Eu me esforço para tirar só notas boas porque quero ser melhor do que eles em alguma coisa.
Mas, não quero ser médico. Eu prefiro ser jogador de futebol.