Publicado: Segunda-feira, 6 de abril de 2009
Uma Vida Nova
Elisa não se casou, não teve filhos e, depois de aposentada, viu-se completamente só, com uma boa renda, uma vida confortável, mas sem objetivos, sem nada importante para fazer.
Consumista, comprava, compulsivamente, como se pudesse encher o vazio que era a sua vida com coisas e mais coisas. Tinha centenas de vestidos, sapatos, bolsas, utensílios domésticos. Armários cheios e coração vazio!
Gostava de cozinhar. Estava sempre experimentando receitas novas, preparando pratos que apenas provava e acabava jogando fora.
Naquela tarde, preparara uma torta magnífica, receita nova, mas, não teve vontade de comer. Ultimamente, vinha sentindo certo receio do futuro. Que seria dela quando estivesse mais velha, doente, incapaz? Os irmãos eram ótimos, mas tinham suas próprias famílias, suas próprias responsabilidades. A última coisa que queria era ser um peso para eles.
Estes pensamentos a deixavam angustiada, sofrendo por antecipação. Resolveu dar uma volta na rua. E foi então que a encontrou.
Sandra, uma mendiga muito jovem, quase uma menina, grávida, maltratada, vestindo andrajos, aproximou-se e pediu-lhe uma esmola porque estava com fome. Ainda não tinha comido nada naquele dia.
Elisa ficou muito perturbada. Lembrou da torta que acabara de assar, devia estar quente ainda, deliciosa, mas, com certeza ia acabar no lixo. Na véspera jogara um bolo de chocolate do qual tirara apenas uma fatia.
Essas lembranças assaltaram-lhe machucando-a e, de repente, sentiu uma compaixão muito grande pela garota, uma vontade de ajudar, e, impulsivamente, convidou:
- Vamos até minha casa. Eu tenho uma torta acabada de sair do forno. Podemos come-la juntas.
Sandra espantou-se. Esperava que ela lhe desse uma moeda, no máximo pagasse um cachorro quente. Ficou meio ressabiada, mas acompanhou-a.
Elisa surpreendia-se consigo mesma. Que ideia essa de levar a mendiga para casa? Nunca fizera nada parecido. De súbito tomou consciência de quanto tinha sido egoísta, gastando seu dinheiro em bobagens, cozinhando para jogar fora sem nunca pensar naqueles que passam necessidades.
As duas sentaram-se frente a frente à mesa da cozinha de Elisa e comeram com apetite, conversando como se fossem velhas conhecidas. Eliza perguntou se ela não gostaria de tomar um banho. Podia vestir uma roupa dela. Ia ficar grande, mas pelo menos estaria limpa.
Sandra, cada vez mais surpresa, aceitou, mas, quando saiu do banheiro Elisa não pode deixar de rir. A roupa estava enorme para ela.
- Vamos comprar uma roupa para você!
Fazer compras era um dos maiores prazeres de Elisa. Acabou comprando um enxoval completo para Sandra. E agora?
Não podia devolve-la para a rua. Deixar que amanhã ela estivesse, novamente, passando fome.
Acabou convidando:
- Você quer ficar aqui comigo? Faz-me companhia, me ajuda um pouco e eu cuido de você até o bebê nascer.
É claro que Sandra aceitou. Estava maravilhada! Nunca encontrara ninguém que lhe desse tanta atenção. Chegou a pensar que os Anjos existiam e que ela havia encontrado um.
A vida de Elisa mudou radicalmente. Agora tinha o que fazer, com o que se preocupar. Sentia-se útil e isso era muito bom. Precisava ajudar essa menina, levá-la ao médico, comprar-lhe as vitaminas, conferir se estava tomando os remédios e alimentando-se adequadamente.
Esperar o nascimento de um bebê, comprar roupinhas, arrumar o quartinho, todas essas emoções que a vida lhe havia negado, agora lhes chegaram, não importava por quais caminhos.
Os irmãos a criticavam:
- Você está procurando dor de cabeça! Se quer ajudar, muito bem, mas não dentro de sua casa, com esse envolvimento todo. Essa gente (olhe o preconceito!) tem outro padrão de comportamento, não tem os nossos princípios, a mesma moral. Você vai se arrepender.
A sobrinha até adiantou:
- Será que a Tia está bem da cabeça?
Elisa ignorou os palpites. Como nunca na sua vida, sabia agora o que queria e devia fazer.
É claro que houve problemas. A convivência sempre é difícil. Há sempre hábitos para rever, arestas para aparar, concessões a fazer. É preciso muita tolerância e muita paciência, mas, há também o Amor que é o bálsamo milagroso que ameniza todos os impactos. Por acaso não é assim com todas as relações humanas? Seria preferível a solidão?
A Sandra acabou ficando com a Elisa, informalmente adotada. No ano seguinte começou a estudar. Elisa convenceu-a de que precisava ter uma profissão para poder trabalhar, ganhar bem, subir na vida.
E o bebê? Quem cuida dele enquanto a Mamãe estuda? Ora, a Vovó Elisa, é claro!
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