Urdidura
Ao longo de 35 anos – tudo começou no longínquo abril de 77, sob convite do saudoso Monsenhor Camilo, - acontecem aqui trabalhos deste humilde cronista. O princípio, noutra imprensa, porém, é de mais tempo: 1957.
Em agosto de 1990, nasceu, sob improviso e repentina, a coluna Última Página. Tanto do enfoque estritamente religioso como da pluralidade de temas neste espaço, nunca se cuidou ou se pensou que alcançariam tamanha longevidade.
Há instantes que até assustam um pouco por essa posição, de que entanto se pode ter sadio e consciente orgulho, a de constituir-se o articulista no integrante de mais tempo de atividade nesta casa.
Assim tem acontecido, através das variadas divagações semanais, de fluírem aqui assuntos de toda gama, espécie e situação.
No meio deles, de algum tempo, discorreu-se sobre o que seria o termo “Conceito”, uma investida em considerações próprias e particulares. Aquela hora em que o jornalista se expõe, mesmo sob risco de falhas ou contraposições de terceiros, porque se responsabiliza pelo que escreve e quer ao mesmo tempo expender um aspecto nem que seja somente dele. Às vezes, desse modo, até se inova na área das conjeturas.
Doutra feita, as andanças da coluna discorreram num enfoque claro e aberto, de como o autor apresentava, a seu ver, a tão difundida “Maledicência” e o alcance dessa perversidade.
Destarte, há outros temas, provisionados para o futuro nas gavetas da mente, de prováveis abordagens, como, por exemplo, os referentes à “Solidariedade”, à “Aleivosia”, ao “Abraço”, à “Estultice”, à “Reconciliação”, ao “Acinte” e outros. Alguns, a destacar a superioridade benfazeja de seres humanos decentes e outros que se alinham no cuidado de se precaver contra males de origem sorrateira. Corre entre o vulgo, por isso mesmo, o dito, de que afinal existe gente para tudo.
Hoje, então, uma palavrinha sobre a danosa “Urdidura”.
Não precisa ir ao dicionário.
Este vocábulo, urdidura, curiosamente, tanto define o que seja, por exemplo, o trabalho de uma tecelagem no cruzamento dos fios ou mesmo os tênues varais que sustentam as aranhas, como também, noutro sentido e bem adverso (e perverso), classifica as pessoas que se dão à urdidura com muito empenho: aquele jeito de urdir, tramar ou se preocupar cavilosamente em ferir ou prejudicar mesmo desafetos gratuitos seus. As vítimas – pode até acontecer – de não conhecerem bem os autores ou de nem conviverem com eles.
Mesmo que refestelado numa suave e ampla poltrona, televisão à frente, muitas vezes esse cidadão patogênico nem percebe as imagens, porque o pensamento dele voa distante, fincado em como haveria um jeito de magoar este ou aquele ou passar-lhe uma rasteira. O defeito da urdidura vai muito além do desejo de vingança ou da inveja maldosa, pura e simples. O acometido dela urde, trama, arquiteta, numa sensação maquiavélica que lhe causa com isso um corroído prazer. É solerte, mas é covarde, a ponto de muitas vezes servir-se de terceiros para indiretamente causar mal a outrem. É próprio, exatamente, de quem urde, muitas vezes não aparecer.
O objetivo do presente enfoque é o de alertar pois os leitores de que tais personagens existem. Assim, com todo esse requinte, não chegam a ser numerosos, felizmente. Justamente daí, contudo é porque quase sempre não são propriamente percebidos. Urdem de si para si, por isso capazes de maldade ao infinito.
Sutis e cavilosos, ao extremo.
Pessoas vingativas corriqueiras e comuns, são uma outra espécie. Essas agem mais abertamente e até com alardes. Quase uns inocentes em comparação com os dominados pela urdidura.
(Matéria veiculada no jornal A Federação, década de 90,
que se traz à lume, em face do momento político atual)