Vaticano I: O Concílio Que Não Terminou
O contexto político foi o principal fator que contribuiu para o fim do Vaticano I. Em setembro de 1870, paralelamente à guerra franco-prussiana, aconteceu a tomada de Roma e das províncias próximas por parte de tropas italianas. Pio IX, sem entrar em acordo com os invasores, acabou considerando que a liberdade do Concílio já não estava mais assegurada. Julgou necessário, então, prorrogar o Vaticano I sine die, ou seja, por tempo indeterminado.
Essa "prorrogação", decretada em 20 de outubro, acabou marcando de fato o fim dos trabalhos conciliares. Claro que a intenção era retomar as atividades o mais breve possível. Porém, isso nunca aconteceu. Assim, podemos dizer que, de certo modo, o Vaticano I jamais terminou porque nunca houve uma conclusão dos trabalhos e tampouco uma cerimônia de encerramento. Mais correto (e realista) seria afirmar que ele foi simplesmente interrompido. Essa pausa forçada foi o fim de um evento histórico da Igreja que, desde seu início, apresentou uma série de complicações internas e externas.
Quando anunciado, o Vaticano I trazia a esperança de um sopro de reformulação e revisão de muitos temas importantes para a Igreja, não mais debatidos deste o Concílio de Trento. A amplitude de assuntos propostos dava a entender que realmente seria um trabalho de monta, que marcaria mais um ponto positivo na caminhada da instituição. Não foi o que aconteceu.
Com problemas surgidos desde o início, polêmicas desgastantes sobre a infalibilidade papal, além das convulsões históricas alheias à influência vaticana, o Concílio terminou em clima de grande decepção. Muitos contemporâneos reduziram-no à questão da infalibilidade, não vendo importância nos demais temas discutidos e tampouco nas constituições aprovadas. Somente com o passar dos anos e o natural processo de revisão histórica é que foi possível situar a importância do Vaticano I na história da Igreja de forma mais justa.
Se o galicanismo foi o principal erro condenado, por outro lado as teses excessivas dos ultra-montanistas também acabaram rejeitadas. Através desse documento, o Vaticano I pôs fim às polêmicas que pareciam eternas entre galicanos e ultra-montanos, fortalecendo o papel da Santa Sé no serviço da expansão missionária. A própria oposição levou ao Concílio uma útil contribuição, por meio da dialética intrínseca a qualquer discussão: um de seus méritos indiscutíveis foi ter eliminado as teses exageradas e ter facilitado a consecução de um justo equilíbrio.
Os bispos das outras partes do mundo puderam dar a conhecer suas experiências e isso permitiu que os padres conciliares vislumbrassem os desafios e os problemas da Igreja em escala mundial. Em relação aos numerosos estudos de temas disciplinares, estes acabaram não sendo votados. Porém, sua preparação e análise permitiram a elaboração de subsídios valiosos para a posterior reforma do Código de Direito Canônico.
Em concílios anteriores sempre houve a figura de um imperador, pairando como sombra, nas decisões dos padres conciliares e até mesmo dos Papas. O Vaticano I foi o primeiro Concílio no qual a Igreja ficou completamente livre da influência de governantes seculares. Isso foi, sem dúvida, importante. Porém uma nuvem escura cobriu boa parte de tudo quanto foi realizado pelo Concílio. Foi a nuvem da indiferença do mundo secularizado em relação ao que acontecia na Igreja internamente e suas conseqüências para com o dinamismo do novo mundo que se desenhava. O fim último do Concílio, uma resposta oportuna aos novos problemas individuais e sociais nascidos com a Revolução Francesa, não foi atingido devido à interrupção da assembléia ecumênica.
O Vaticano I combateu novamente várias heresias, algumas delas muito graves. Mas isso não foi suficiente para enfrentar a secularização iminente da cultura e da sociedade de então, cujos reflexos podiam ser verificados em várias partes do mundo.
Sob um outro ponto de vista, pode-se talvez afirmar que o Vaticano I não abriu uma nova época na história da Igreja, como tinha feito o Tridentino e como faria depois o Vaticano II, mas levou até as últimas conseqüências aquelas tendências que, embora presentes em Trento, não tinham ainda exercido toda a sua eficácia, devido às circunstâncias históricas pouco favoráveis.
Enfim, se houve algo que o Concílio não conseguiu atingir, de modo prático, foi a crise mordernista e a separação conflituosa entre a Igreja e o Estado. Mesmo assim, o Concílio Vaticano I colocou-se, pois, como resposta religiosa aos problemas dos homens do século XIX e marcou profundamente a caminhada seguinte da Igreja.
Os episódios posteriores da bimilenar história da Igreja continuariam nas décadas seguintes, abarcando os mesmos inúmeros conflitos ideológicos e filosóficos, políticos e econômicos, entre outros, até mesmo com as traumatizantes duas Grandes Guerras Mundiais.
Menos de um século depois, na década de 1960, seria iniciado mais um belo e importante capítulo da instigante e mística história da Igreja, com a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II. Mas este é assunto mais fácil de se pesquisar, já que existe farta documentação bibliográfica a respeito.
Amém.