Gagueira não tem cura; preconceito tem
Segundo o IBF, a incidência da gagueira no Brasil é de 5%.
Camila Bertolazzi
Por Camila Bertolazzi
Quem nunca sentiu aquele friozinho na barriga ao falar em público? A tensão e a ansiedade superam qualquer segurança, e as consequências são sempre as mesmas: mãos suadas, pernas trêmulas e momentos de repetições e hesitações na fala. Quando a apresentação acaba, o nervosismo vai embora e tudo volta ao normal. Ou seja, o seu momento de desfluência passou. Isso é o que explica a fonoaudióloga Paloma Savioli Berni, para enfatizar que “todos têm momentos disfluentes, assim como um gago não gagueja o tempo todo”.
A gagueira, caracterizada principalmente por repetições ou prolongamentos de sons e sílabas, é conhecida há séculos. Os primeiros relatos são bíblicos, na figura de Moisés, descrito como lento de fala e pesado de língua. Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), a incidência da gagueira no Brasil é de 5% da população, ou seja, 9,5 milhões de brasileiros estão passando por um período de gagueira fisiológica. “Durante a aquisição e desenvolvimento de fala e linguagem é comum que existam períodos variáveis de fluência. Por isso, crianças nessa fase – até cerca de 4 anos de idade – hesitam e repetem palavras, enquanto elaboram o que vão dizer”, explica Berni.
Passado o período natural de desenvolvimento, a prevalência da gagueira é de 1%, ou seja, 1,9 milhões de brasileiros gagueja de forma crônica. No mundo esse número chega a 70 milhões. É o caso do marceneiro Davi de Oliveira que, desde os 6 anos de idade, quando o pai morreu, começou a ter dificuldades para falar com fluência. “Minha mãe disse que até então eu falava normalmente”.
Por quê?
Segundo Paloma Savioli Berni, são vários os estudos e pesquisas sobre a origem da gagueira. No século II, o médico grego Galen associou o problema a um ressecamento da língua. No século XVII, Francis Bacon constatou que o enrijecimento na língua era a causa responsável pelo problema. No século XIX, cirurgiões sugeriram o tamanho das línguas como causa. E no século seguinte, pais negligentes tiveram seus momentos de culpa, inclusive salientado no filme “O Discurso do Rei”, vencedor do Oscar 2011.
Atualmente um dos motivos mais defendidos pelos especialistas é a questão genética, ou seja, a criança possui genes que a predispõem ao distúrbio. “Esta teoria aumenta as chances para quem tem uma pessoa gaga na família continuar passando o gene de geração para geração; mas muitas coisas ainda precisam ser desvendadas sobre esse assunto”, ressalta a fonoaudióloga.
Os estudos mais recentes apontam também possíveis causas para a chamada
“gagueira adquirida” como traumatismo craniano - resultado de um acidente -, AVC, doenças degenerativas do sistema nervoso central, tumor cerebral, cirurgia cerebral e disfunção cerebral induzida por drogas, que podem lesionar exatamente a parte do cérebro responsável pela fluência. Segundo a especialista, a seleção das palavras está numa área do cérebro diferente da que impulsiona para emitir a fala. “Quem gagueja sabe exatamente o que dizer, mas no ato motor para a fala é que ocorre essa interrupção”.
Há cura?
Ao longo dos séculos, as soluções sugeridas foram tão variadas quanto às causas. Galen indicou que envolver a língua dos pacientes em um pano com suco de alface poderia ajudar. Francis Bacon recomendou vinho, e os psiquiatras, análise. Nenhum deles funcionou.
“Não existe cura, mas sim tratamentos que amenizam os sintomas da gagueira”, afirma Berni. Segundo ela, as técnicas variam de pessoa para pessoa, isso porque nem sempre as características do problema são as mesmas. Repetição de sons, repetição de sílabas, prolongamento, hesitação, pausa e tensão muscular são alguns dos sintomas.
Uma das técnicas usada no tratamento de adultos e adolescentes é a modelação do comportamento, ou seja, ao gaguejar, o paciente é orientado a interromper a fala e refazer sua maneira de falar, diminuindo a velocidade e introduzindo pausas no tempo certo.
No site da Associação Brasileira de Gagueira, a fonoaudióloga Regina Jakubovicz dá outras técnicas de modificação da fala: cancelar ou interromper a fala sempre que houver uma gagueira; colocar a língua, lábios e as cordas vocais numa posição mais relaxada; empurrar o ar para fora prolongando a palavra ou introduzindo um ar expirado; e dizer a palavra de novo, continuando com o discurso ou com a atividade que estava fazendo.
Há ainda um trabalho de autoimagem de que mesmo quem gagueja pode falar bem - com momentos de fluência. “O objetivo desse trabalho é fazer com que a pessoa valorize sua fala e tenha uma autoimagem positiva de falante, não deixando que a gagueira atrapalhe seu convívio social”, explica Berni. O trabalho do Fonoaudiólogo é avaliar, diagnosticar, orientar e tratar os diferentes problemas de fluência. “É comum antes de falar o gago pensar - ‘se eu falar vou gaguejar’ e, por medo, ele desiste ou cria uma tensão que o prejudica. É a mesma coisa para alguém que tem medo de dirigir; a insegurança é tão grande que, mesmo que ela saiba, o nervosismo toma conta e não consegue”, exemplifica Berni. No caso das crianças o acompanhamento também é feito com os pais.
Segundo a especialista, essa é uma parte muito importante do tratamento, pois a autoimagem negativa prejudica e agrava ainda mais o problema. “Em alguns casos, a influência do ambiente no qual as pessoas riem, imitam e fazem piadas atrapalha a melhora do paciente”. Isso porque as vacilações na fala podem ser acompanhadas por emoções negativas, tais como medo, embaraço ou irritação.
É o que confirma Davi de Oliveira, de 36 anos. Segundo ele, os problemas se agravam em momentos de grande emoção ou pressão. “Eu sempre fujo de situações em que eu preciso me expor, isso porque eu perco o fôlego e travo”. E completa: “Outra circunstância embaraçosa são as entrevistas de emprego. Sempre preciso pedir licença, explicar o problema e, com muita calma, tento falar”.
Além do preconceito, sã
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