Publicado: Quarta-feira, 23 de abril de 2008
A escola que deforma
Os números do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) acerca do ensino médio do País, publicados em 2003, revelam uma situação preocupante: após 11 anos de estudos, os jovens brasileiros não só estão despreparados para enfrentar o mercado de trabalho como terão dificuldades para lidar com questões básicas do seu cotidiano na vida adulta. E, vale a pena lembrar, tratam-se de números oficiais obtidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, autarquia do Ministério da Educação (MEC). E os números oficiais nem sempre conseguem dar a dimensão exata da gravidade do cenário, tendendo a amenizá-lo.
Para se ter uma idéia, cerca de 42% dos alunos da terceira série do Ensino Médio (o antigo “terceiro ano do segundo grau”) estão nos estágios crítico e muito crítico em habilidades e competências em leitura. Ou seja, mal sabem ler, mesmo em idade pré-universitária. Pior: não apresentam desempenho que possa ser considerado adequado sequer para a quarta série do Ensino Fundamental (isso mesmo, o antigo “quarto ano primário”). Somente 5,3% dos estudantes apresentam um nível de proficiência condizente com 11 anos de escolarização e são considerados leitores competentes.
Em matemática, a questão se complicou de vez: 67,4% dos estudantes brasileiros de ensino médio estão nos níveis crítico e muito crítico – aquele em que não conseguem sequer responder aos comandos operacionais elementares compatíveis com o ensino médio. Nesta disciplina, mais uma vez somente 5% dos estudantes atingem padrão adequado para a terceira série (provavelmente, os mesmos do parágrafo anterior...)
O cerne da questão, ao que parece, está no Ensino Fundamental, que não oferece condições para que o aluno chegue capacitado ao Ensino Médio. Mas o problema é que ele chega lá, de uma maneira ou de outra...
Os dados do Saeb permitem fazer comparações entre as séries, isto é, avaliar quanto os estudantes agregaram de conhecimento durante os três anos de Ensino Médio. Assim, cerca de 74% dos alunos apresentam habilidades e competências em leitura considerados adequados apenas para alunos entre a quarta e a sétima séries do Ensino Fundamental; outros 21% adquiriram as habilidades características da 8ª série. Sobram aí os 5% citados lá em cima, adequados à sua verdadeira escolaridade.
Os números são preocupantes – e podem piorar ainda mais à medida em que cresce a demanda pelo Ensino Médio – porque a cada dia é preciso saber mais para integrar-se à sociedade moderna. Vivemos a era do conhecimento e a função do nosso sistema educacional é formar os jovens para viver nesse mundo. O próprio estudo diz que “deseja-se que, ao concluir o ensino médio, os jovens tenham adquirido os saberes que os capacitem para o exercício pleno da cidadania, para o voto consciente, para o ingresso no mercado de trabalho, para o aprendizado de conteúdos técnicos de diversas áreas profissionais, para a compreensão de seu espaço nesta sociedade tecnológica e na transformação dela”.
Na verdade, o que todos esses dados parecem afirmar é que o modelo de ensino nacional chegou ao seu esgotamento. Estamos num mundo em que empresas e governos concorrem globalmente por investimentos e produção de bens e serviços de alto valor agregado e o modelo educacional brasileiro mostra seu total descompasso com essas tendências. Simplesmente não consegue preparar os jovens sequer para ler um jornal, quanto mais para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo.
É preciso colocar mais gente nas escolas e, especialmente, nas universidades. Mas, para isso, é preciso resolver primeiro as questões do ensino fundamental. Do contrário você sobrecarrega o já problemático ensino médio com os vícios e mazelas do fundamental, investindo em jovens que, infelizmente, não foram preparados para estar lá.
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