Recordações de visita a uma biblioteca
Numa parede o quadro
da donzela nua e bela,
sem “manto diáfano”
e sem “fantasia”,
apenas simples “Verdade crua
e nua” presidia
soberba, artisticamente,
em cores vivas, garridas, alegres, sensuais,
a vida.
Juntamente, ao espectro espiritual de quem tão bem soube pintar, a retratar a atmosfera,
o silêncio circunspecto daquela livraria, ricamente cuidada, encadernada
com requinte de quem ama, de quem cultiva a vida, o saber, a sobriedade do beber de fonte cristalina
e, a saber urdir a trama, a pensar, a criar, a engendrar, a projetar na alma eterna chama.
Do outro lado, o quadro, bem enquadrado, austero e doloroso em outra tela,
retratando a Cristo, sereno, sério, mártir e contrito,
no mesmo silêncio,
agora em cores desmaiadas, solenes, deprimentes, tristes,
como tristes são as lembranças de um castigo injusto, crú,
exercido , desalmadamente, sem piedade, sem misericórdia,
sem dó, implacavelmente, sobre inocente vocação
vital de natural pureza e transcendência.
Duas telas. Belas. Uma só mensagem !
Mais pelo que à alma dizem, do que pelo que se vê naquela biblioteca sem T.V.
Numa e noutra tela é evidente, a objetividade sensível à VERDADE,
o amor gritantemente sugerido , a perfeição presente eloquentemente naquele silêncio diáfano e solene de acervo cultural, a civilizar, civilizadamente, onde sempre se guardam e divulgam esperanças, paixões, fanatismos, ódios, invejas, ciúmes, vida e morte, fatalismos, compostos em livros, em lembranças,
em saudades,
que se encadeiam e encadernam de rumores , a bibliotecar, a guardar memórias, remorsos, romances, poemas, dramas, louros e louvores, teses ou pretensas teses onde os homens buscam luzes e favores, a pesquisar, a desvendar mistérios, histórias, sentenças, cantares, dizeres, amores,
a procurar magos, amigos, sábios e a encontrar ou a descobrir horrores.
O teor dessa vivência mística e amor puro, genuíno, autêntico, inocente,
que o mesmo inspirou Adão e Eva, Sansão e Dalila, Jacó e Raquel, por certo intensamente ,
potência de todo o bem e mal , dual, corrente,
é o da razão incontida na torrente
de saber autêntico mas carente
de verdade perene, transcendente :
o amor que se vê e o que se sente,
o que vive ternamente nos livros e na gente, latentemente , o que se projeta indefinidamente no tempo, como síntese de virtude e plenitude ingente , depende de razão nunca demente,
que não teme nem é cega, não se nega, que não é consumo, é desafio, que não faz exigências, apenas vidente não calcula, não cultiva remordimentos, nem remorsos, não tem começo nem fim, está presente , sã, candentemente, louva, ama somente , proclama, atua, assume, luta , leal, idealmente , ou respeita simplesmente,
não desmente a verdade , a semente, é misericordiosa e, cria, inspira, liberta, humaniza, constrói, compreende, perdoa, responsabiliza, responsabiliza-se, jamais se mente, à mente , ao coração sensível e latente,
a testemunhar eternamente
o mais profícuo Amor,
ardentemente ! . . .
ERASMO FIGUEIRA CHAVES
CABREÚVA, 11/9/98
(Inspiração em visita à formosa e bem nutrida Biblioteca do emérito Professor João dos Santos Bispo)