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Publicado: Quarta-feira, 28 de maio de 2008

Marcos Sá Corrêa - Adeus, jornalismo velho

Crédito: Felipe Varanda Marcos Sá Corrêa - Adeus, jornalismo velho
"Se alguém poderia fazer uma revolução no jornalismo brasileiro hoje, seria Euclides da Cunha"
 
Pelo bom humor constante, a impressão é de que Marcos Sá Corrêa acaba de voltar de um feriadão nas montanhas de Itatiaia. Nada parecido com o protótipo do jornalista estressado, fumante, buscando brechas em tempos de ditadura. Ele já foi tudo isso. No auge da repressão, produziu um furo de reportagem ao revelar para o país o que fora a Operação Brother Sam: em 1964, os Estados Unidos estavam de prontidão para invadir o Brasil se houvesse resistência ao golpe. Segundo ele, a descoberta foi pura casualidade. Também foi por acaso que sua primeira foto, ainda como estagiário, ganhou a capa do jornal.
 
Acredite você no acaso ou, se preferir, no faro aguçado, o fato é que as andanças de Marcos costumam indicar bons caminhos. Há quase dez anos, deixou para trás o jornalismo tradicional para apostar na Internet: criou o site de notícias No. (depois Nomínimo), que em sua curta vida tornou-se um dos mais importantes do país, e outro, pioneiro em jornalismo ambiental (O Eco). Hoje envolvido em mais um projeto inovador – a Piauí – Marcos fala à Revista de História da Biblioteca Nacional (que ajudou a conceber e da qual é conselheiro) sobre as transformações da imprensa, diz que historiador tem que aprender a escrever e explica por que o país está desperdiçando uma revolução tecnológica como não se vê desde Gutenberg.
 
“Estamos sentados na praia de um tsunami, achando tudo calmo porque a maré está baixa”, profetiza o tranqüilo ex-fumante, sem tirar o sorriso do rosto. Ao que parece, ele está pronto para surfar.
 
REVISTA HISTÓRIA - Você é formado em História?
MARCOS SÁ CORRÊA - Graduei-me em História, mas fiz o curso “nas coxas”. Nem fui pegar o diploma. O que me levou para a faculdade foi o fato de que minha namorada estudava no Colégio Santa Úrsula. Por conta disso, acabei fazendo a Faculdade Santa Úrsula. Estou casado com ela até hoje. O outro ponto é que, mal saí do colégio, comecei a escorregar para dentro do jornalismo.
 
RH - Como foi isso?
MSC - Jamais cogitei ser jornalista. Queria ser fotógrafo desde menino, tinha começado a publicar algumas coisas. Um dia, fiz uma reportagem sobre Guignard por conta própria. Fotografei, escrevi e fui oferecer à revista Manchete, com a maior cara-de-pau. E a revista comprou! Achei aquilo uma facilidade interessante. “É o que eu vou fazer daqui para a frente”. Então fui trabalhar como estagiário de fotografia no Jornal do Brasil. No primeiro dia, me deram uma pauta cretina, para fotografar um senador que viria ao Rio. Daquelas fotos que não teriam utilidade nenhuma. Saí com minha maquininha velha do jornal, fui ao Senadinho, mas o senador não apareceu. Eu voltava do meu primeiro dia de trabalho sem uma foto. Quando passei pela Praça Marechal Floriano, vi uma feira de livros, e naquela hora estava começando uma tempestade. Entrou uma ventania e os livros começaram a voar. Um livreiro tentava agarrar os livros, que adejavam na frente dele como borboletas. Bati umas quatro fotos meio por brincadeira, sem saber se serviriam para alguma coisa. Quando abri o jornal no dia seguinte, tomei um susto. Estava lá na primeira página. Assinada com meu nome errado: “Marcos Villas-Bôas”. Foi a maior frustração, porque eu não sou Villas-Bôas, Villas-Bôas é o meu pai. Como ele era conhecido, saiu com esse nome.
 
RH - De lá você foi para a equipe que criou a Veja?
Fui, mais uma vez por equívoco. Passei no concurso achando que ela seria feita nos moldes da única revista importante da Editora Abril, a Realidade, que dava enorme importância à fotografia. Aí descobri que estava sendo incorporado a uma revista que não dava, na época, quase nenhuma fotografia. Mas o salário era tentador. Sou um cretino que entrou para o jornalismo porque pagavam bem.
 
RH – Como você descobriu a Operação Brother Sam?
MSC - Da maneira mais acidental possível. Estava no Jornal do Brasil como repórter especial depois de passar quase uma década na Veja, onde fui editor. Era 1975, estávamos no governo Geisel e eu freqüentava, junto com o Elio Gaspari, a casa de um depositário de papéis importantes do começo do regime, o almirante Paulo Castello Branco, filho do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Ele tinha uns armários cheios de documentos de 1963, que foram pesquisados por dezenas de historiadores. O Castello Branco era do período letrado do regime militar. Gostava de escrever, tinha papéis da conspiração, e o filho abria aquilo sem nenhuma restrição. Você ia lá, metia a mão e encontrava providências sobre a tortura, coisas que não estavam em nenhum outro acervo oficial. Em uma dessas ocasiões, o Paulo comentou que, semanas antes, um brasilianista da Universidade do Texas chamado John Dulles, filho do Foster Dulles, passou por lá e disse que documentos importantes sobre o período de 1964 começavam a ser liberados na biblioteca presidencial do Lyndon Johnson. Isso foi em meados do ano. Passada a correria inútil da cobertura da eleição municipal, o Elio se lembrou: “Vamos ver aquilo?”. E fui parar em Austin.
 
RH - Como foi o processo de pesquisa?
MSC - O começo foi desnorteante, quase “O que eu vim fazer aqui?”. Mas o nome em código da operação militar me ajudou: Brother Sam. Na quarta ou na quinta vez que aquele nome passou na minha frente, em papéis esparsos, percebi que sempre vinha marcado com uma tarja azul. Eram telegramas internos do governo, e, seguindo a tarja azul, foi fácil voltar na papelada e ficar puxando. Se não fosse isso, não conseguiria reconstituir o caso, criar um sentido.
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