Cultura

Publicado: Domingo, 26 de abril de 2009

Preconceito no dia-a-dia dos negros

Leia relatos emocionantes de negros que sofreram preconceito

Preconceito no dia-a-dia dos negros
Você é preconceituoso?
Por Camila Bertolazzi

O preconceito está presente nas relações humanas desde a mais remota história da Humanidade. E não adianta negar, mesmo depois da lei que criminaliza atos de discriminação é comum que negros ainda sejam tratados com inferioridade. Dados de 2004 do Observatório Afro-Brasileiro revelam um número assustador: o rendimento familiar médio dos brancos é de 2,64 salários mínimos, já o dos negros não passam de 1,15 salários mínimos. Informações como essas fazem lembrar que a condução do negro no Brasil continua crítica.
 
A professora e coordenadora do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira (NUCAB), Ana Maria Souza Mendes, acrescenta que, além de ganhar menos, os negros são os primeiros que ficam desempregados. “Minha geração só conseguia emprego em concursos público, onde a única cor vista é a da tinta da caneta, desabafa". Ana Maria ainda conta que, quando o emprego dependia de entrevista, ela era informada que a vaga já havia sido preenchida.
 
Fatos como esse são contrários ao artigo 5º da Constituição que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Apesar de advogar com base nesse princípio ético, Claudinel Renato da Silva afirma que o Brasil está longe de ser um país igualitário. "Mesmo muitas vezes não sendo cumprida, a lei existe, mas será que é preciso lei para haver respeito?", questiona o advogado. Ana Maria diz que não. Segundo ela, o racismo deve ser combatido com a educação, e não através da lei. "Se prender adiantasse, nós não teríamos mais batedores de carteira. Não sou contra a lei, mas ela sozinha não resolve".
 
No Brasil, a prática do racismo constitui crime inafiançável, com pena que varia de um ano e 2 meses a 3 anos, mas Silva explica que não é bem assim que as coisas acontecem. "Os poucos condenados entram com recurso e tudo acaba em cestas básicas ou no pagamento de um salário mínimo". Segundo o advogado, o grande problema é provar que houve discriminação.
 
O preconceito nada mais é do que a imitação de conceitos dos pais, professores e amigos que já têm essa visão cristalizada. "Ninguém nasce racista, aprende a ser, mas isso não é justificativa para julgar e condenar as pessoas pela cor da pele", afirma. Ela cita como exemplo o caso de uma professora negra, de inglês, que, em 1970, registrou queixa contra uma aluna menor de idade que a agrediu verbalmente. Em conversa com os pais da garota, ela confessou que teve tal comportamento inspirado no pai, que tinha um chefe negro e não aceitava. "É preciso construir seus próprios conceitos e não repetir o que foi ensinado no século passado", acrescenta a coordenadora do NUCAB.
 
Foi também nessa época que o vice-presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB), Benedito Gabriel da Silva, e outros quatro amigos foram vítimas de preconceito em uma lanchonete de Itu. "Nós queríamos fazer um pedido, mas o garçom evitou nos atender; ele alegou que não podia nos servir na mesa, pois o chefe dele não queria que negros freqüentassem a lanchonete", relata. O caso de polícia saiu no principal jornal da cidade.
        
Além do cargo no Congresso, Benedito Gabriel é locutor na rádio Convenção 670 AM de Itu. No "Ação Afirmativa" apresentado todos sábados, das 13h às 15h, ele e a também locutora Sueli Gonçalvez, apresentam um programa recheado de notícias, informações de utilidade pública, frases de apoio, brindes e muita música. As duas horas mais ouvidas da rádio, segundo o Ibope, tem grande participação popular. "Os nossos ouvintes ligam para cá e contam histórias de preconceito, não só de negros, mas também de nordestinos que não foram bem recebidos na nossa terra", explica Benedito Gabriel.
 
Negra, casada com um loiro italiano e mãe de dois filhos brancos e quatro negros, Sueli também já foi alvo de muito preconceito. A locutora conta que já foi barrada em um ônibus para São Paulo, pois estava com uma menininha branca, sua filha. Na ocasião, ela teve que mostrar todos os documentos para provar que era a mãe e não uma sequestradora. "Tive que provar que sou a mãe da minha própria filha. Todos pararam e ficaram me olhando com olhar de desprezo, acho que nunca passei por uma situação tão triste". Ela ainda contou outra história que vivenciou com seus filhos brancos. "Em reuniões e festinhas na escola também sempre escutava a velha e preconceituosa frase: 'Essa é a sua mãe?'".
 
Segundo Ana Maria, outra coisa muito comum é o preconceito que os negros sofrem ao entrar em lojas e não serem atendidos. "Muitas vezes os negros acabam se acostumando com atitudes como essa e nem se dão conta que isso também é discriminação". E continua: "Gestos assim entram no corriqueiro da vida, a ponto do preconceituoso e da vítima não perceberem o crime".
 
Apesar do preconceito que, mesmo velado, ainda existe, Ana Maria aponta um ponto positivo da sociedade atual. Segundo ela, hoje o espaço de discussão é muito maior, o que já é um grande avanço. "Só quando os problemas são expostos é que aparecem soluções. Hoje o negro sabe que tem direito a exigir tratamento igual, sabe que ninguém é diferente de ninguém", finaliza a coordenadora.
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