Uma falsa calmaria: crise da água ainda é um problema em Itu
Aumento do consumo e falta de chuvas preocupam.
Jéssica Ferrari
Por Jéssica Ferrari
Após a crise que durou 10 meses em Itu, os moradores da cidade voltaram a ter água em suas torneiras. As enormes filas ao redor de bicas e reservatórios públicos, e os cartazes de apelo pregados nos portões já não fazem mais parte do cenário urbano. Também não há novas notícias sobre manifestações populares, nem caminhões-pipa abastecendo os bairros. No entanto, apesar da aparente calmaria, o tema "água" ainda é, e continuará sendo um problema para os ituanos.
A falsa impressão de que o problema já está resolvido, somado às altas temperaturas e a falta de chuvas regulares estão baixando novamente os níveis dos reservatórios ituanos. A comprovação está nos dados divulgados pela Concessionária Águas de Itu. Segundo a empresa, nos 19 primeiros dias deste mês choveu apenas o equivalente a 42,9mm, sendo a média normal para este mês de 249,2 mm. Entretanto, a Águas de Itu apurou que nos últimos dias houve um aumento médio de 20% no consumo de água na cidade, se comparado ao consumo considerado normal. Já aos finais de semana esse aumento chega a 30%. Com o acréscimo de consumo houve então uma diminuição no nível de uma das principais bacias hidrográficas do município; a Bacia do Fubaleiro.
A situação não parece tão grave, uma vez que as represas que compõem os mananciais de água bruta de Itu estão operando com uma média de 78% de sua capacidade de reservação preenchida. Mas, se as chuvas não chegarem e o excesso de consumo continuar, os ituanos podem sim voltar a enfrentar uma nova crise da água.
Segundo a coordenadora da Rede das Águas, Malu Ribeiro, essa sensação tida pela população de que a crise já passou é preocupante. "A crise ainda é muito grave. Era para estarmos em uma situação de economia", alerta. Para a ambientalista, estamos enfrentando um problema de mudança climática para o qual o Estado de São Paulo e a nossa região não se preparou, por isso a conscientização sobre as mudanças de comportamento é emergencial. "Os nossos reservatórios são pequenos, a nossa cidade cresceu muito e a demanda de água em nossa região também cresceu", lembra.
Armazenando vida
Preocupadas, muitas pessoas acabam reservando em suas casas uma quantidade de água além do que normalmente conseguirá utilizar. Desde outubro de 2014, a prática vem sendo adotada pelo guia de turismo Marques Araujo. Para garantir que não falte água em sua casa, ele comprou duas caixas: uma de 1.000 litros para água tratada e outra de 1.500 para água da chuva. O motivo, segundo ele, é o abastecimento inconstante de seu bairro, o Potiguara. Morando apenas com a esposa, quando não consegue utilizar toda a água potável ela acaba sendo utilizada no quintal. "A última fase dela sempre é o jardim", conta Araujo.
Outro problema é a forma de guardar toda esta água que, se feita de maneira errada, pode também causar problemas de saúde pública, como a dengue. Para evitar essa e outras doenças, a assessora de comunicação Ana Kelly Freire usa cloro de piscina para conservar a água da chuva que utiliza para a faxina e em seu jardim. Já a água suja de sua máquina de lavar recebe cloro em gel para ser usada no quintal dos cachorros. "Guardo em galões hermeticamente fechados para evitar a proliferação de mosquito e o cloro ajuda nesse processo", conta Ana Kelly.
Neste ano, ela e o marido ainda planejam construir uma mini cisterna para aumentar esse armazenamento. Além disso, os dois seguem com medidas de redução de consumo, como a reutilização da água do banho para a descarga. "Usamos cloro em gel ou desinfetante para evitar mal cheiro", aconselha Ana Kelly.
Para Malu Ribeiro, um dos problemas da prática de estocar água tratada em casa, quando não há um planejamento correto, é que isso prejudica o abastecimento geral da cidade, mas a ação é compreensível já que os moradores não estão recebendo as orientações necessárias para saberem manejar a água que recebem, e sem informação não é possível planejar. "Essas águas tratadas armazenadas poderiam estar sendo compartilhadas, socializadas" explica.
Segundo a ambientalista, é preciso ter agora uma cultura de solidariedade e também uma mudança na forma de divulgação das informações sobre o assunto, para que a sociedade saiba como agir e não se deixe levar pelo "alarmismo" da crise. "A falta de informação diária sobre a situação dos mananciais faz com que a população não saiba o que está acontecendo", explica Malu. Essa insegurança gerada também acaba por prejudicar o comércio e gerar depreciação de imóveis na cidade, já que ela passa a ser vista como um problema nesta questão.
Por sua vez, a Concessionária Águas de Itu afirma que lançará nas próximas semanas uma campanha publicitária incentivando a economia e o uso racional da água tratada. A ação buscará conscientizar a população sobre o desperdício, e para a necessidade de colaboração de todos.
No entanto, para a ambientalista, a mudança de comportamento dos ituanos deve ir além. É preciso cobrar informações atualizadas da prefeitura e dos órgãos responsáveis pelo tema. "Se todos poupassem, mudassem o comportamento, tendo informação adequada, a gente talvez não tivesse tanto problema", argumenta.
Unindo esforços
Malu Ribeiro afirma que o problema da água em Itu tem soluções, mas a questão não está tendo discussões técnicas e planejamento macro. "Este problema agora é da região, não só de Itu", lembra. Para ela, esse é o momento de tentar unir os esforços.
Preservar a natureza é uma das ações necessárias para diminuir o impacto do clima no dia a dia. Para isso, mudanças no comportamento como o plantio de árvores, a construção de jardins nas casas, e a pintura dos telhados com tinta branca são boas alternativas ecológicas de curto prazo. A economia frequente e a punição para quem desperdiça também são imprescindíveis para o momento.
"Estamos com muitos problemas na gestão da água. É preciso que a sociedade seja informada para se engajar", enfatiza Malu. Para ela, é importante também cobrar responsabilidades e fortalecer que esses movimentos que nasceram na cidade não acabem. “É preciso montar um comitê permanente de vigilância da água em Itu. Eu acho que essa é uma boa alternativa da população”, argumenta. Unidos então, seria possível tentar resolver o problema por bairros, buscando alternativas por setores da cidade, investindo em tecnologia e em negócios sustentáveis.
Para Malu, daqui pra frente a nossa região vai ter que aprender a conviver com a escassez, já que não é mais possível evitar o problema. Por isso é preciso utilizar o tempo para se pensar juntos em soluções e não questionar os culpados. “Essa nossa cultura de abundância em termos de recursos hídricos é irreversível” avisa. O comportamento da sociedade tem que mudar agora, acompanhando as ações para se cuidar da água que ainda temos, porque segundo a ambientalista, ninguém tem com segurança hoje a garantia de que esse “gatilho” do clima será revertido, então cabe a todos unir esforços.
Obras na cidade
Iniciadas em setembro de 2014, as obras da adutora Mombaça sofreram atraso e o cronograma teve que ser reajustado. Segundo a Concessionária Águas de Itu, a adutora deverá ser entregue em março. As obras visam aumentar a capacidade de reservação de água bruta nos principais mananciais do município. O reforço deverá ser de aproximadamente 280 litros de água por segundo para a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Rancho Grande, responsável pelo abastecimento da região central da cidade.