Ser palhaço, pelo olhar de Nando Bolognesi

Crédito: Arquivo Pessoal

Por Deborah Dubner

Esta entrevista é parte integrante da matéria que celebra o Dia do Palhaço.

“Minha missão como palhaço é sugerir novos olhares sobre coisas velhas, isso pode provocar tanto riso quanto o choro. Como palhaço, espero ajudar as pessoas a olhar. A vida e o mundo são tão maiores do que nós, que sinto necessidade de alguém que ajude a olhar.” (Nando Bolognesi)

Quando você percebeu que tinha a vocação para ser palhaço?

Foi numa oficina que fiz na Escola de Arte Dramática (EAD). Estava terminando o curso e nos foi oferecida uma oficina de palhaço com a Cristiane Paoli Quito, que foi uma das primeiras profissionais a trazer a linguagem do palhaço no teatro para o Brasil, isso no início dos anos noventa. Fiquei apaixonado e desde então sigo perseguindo essa linguagem.
Depois desse encontro re-signifiquei minha trajetória pessoal e passei a encontrar rastros do palhaço se insinuando ao longo de toda a minha vida. Na escola, em casa, com os amigos. Mas foi, sem dúvida, o encontro com a Quito lá na EAD que me colocou o nariz vermelho para sempre. Foi um “encontro com um mestre”.

Como essa escolha repercute no seu dia a dia, com familia, amigos, etc?

Parece que mais do que uma escolha, ser palhaço é reconhecimento e aceitação. Você olha para você e percebe que não cabe direito em nenhum lugar, sente-se como se sempre estivesse no lugar errado, na hora errada e com a roupa errada. E não sofre com isso, se ri. Ser palhaço para mim é estar em desacordo, ser inadequado, não saber fazer e divertir-se com isso. Através do palhaço encontrei um jeito afirmativo de dizer não. Levo isso para a vida e isso não é uma missão ou sacerdócio, simplesmente é assim. Sinto-me um palhaço na vida. Respondendo a pergunta: essa escolha repercute em meu dia a dia, com família e amigos definindo quem sou eu.

Conte uma cena inesquecível no seu percurso como palhaço.

Vivi muitos encontros especiais como palhaço principalmente nos Doutores da Alegria e nos hospitais psiquiátricos em que atuei. Muitos mesmo. Mas acho que o momento mais incrível foi quando meu filho Leonardo, que foi adotado quando tinha dois anos e dez meses, descobriu que seu pai era um palhaço ao ver me maquiando em nossa casa, enquanto me preparava para ir ao hospital psiquiátrico. Ele ficou ao meu lado encantado com a novidade que acabava de descobrir: seu pai era um palhaço.

Quais os maiores desafios de ser um palhaço?

Como qualquer ofício exige treinamento constante e incessante. Talvez a maior tarefa seja livrar-se das referências.

Eu sempre penso na alegria do palhaço. Às vezes vejo tristeza nos olhos, outras vezes não. Como é isso de levar alegria ao mundo, fazer o que é esperado de um palhaço, quando há momentos em que você não está se sentindo assim?

Não tenho compromisso com a alegria, mas sim com o jogo. São coisas bem diferentes. Acho mau humor uma coisa intolerável assim como não consigo ficar rindo à toa fazendo o papel do bobo alegre. Às vezes as pessoas têm uma expectativa de que um palhaço tem que te fazer rir, mas eu não penso assim. Minha missão como palhaço é sugerir novos olhares sobre coisas velhas, isso pode provocar tanto riso quanto o choro.
Como palhaço, espero ajudar as pessoas a olhar. A vida e o mundo são tão maiores do que nós, que sinto necessidade de alguém que ajude a olhar. Conforme vamos crescendo a gente formata muita coisa, basta ver as definições que as crianças, que ainda não foram totalmente domesticadas, dão para as coisas: o vento é o ar com pressa, por exemplo. Olha que jeito bacana de olhar para o mundo. Como palhaço tento propor novos olhares sem me preocupar se isso vai desencadear uma crise de riso frouxo ou uma choradeira tremenda. Quero “desdomesticar” o olhar.

Se o seu palhaço fosse dar um recado para as crianças, qual seria?

Aproveitem.

E para os adultos?

Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta.

Nando Bolognesi  trabalhou durante cinco anos nos Doutores da Alegria em São Paulo (2001-2005). Criou em 2005 o grupo “Fantásticos Frenéticos”, que levava palhaços a Hospitais psiquiátricos, em São Paulo. Atuou nesse projeto por três anos (2005 a 2007). Desde 2003, faz parte do elenco do espetáculo de improvisação de palhaços “Jogando no Quintal”. Atua também em diversos espetáculos e encontros internacionais de palhaços e ministra cursos e oficinas desde 1996. Nando é também colunista do portal itu.com.br, assinando a coluna “O Olhar de um Nariz”.