ECA completa 20 anos com nota azul na teoria e vermelha na prática
Lei deve sofrer alteração para proibir os castigos físicos.
Leandro Sarubo
por Leandro Sarubo
Sancionada no dia 13 de julho de 1990, a lei 8.069, que concebeu o Estatuto da Criança e do Adolescente, completou seu vigésimo aniversário sem ter muito que comemorar.
O documento continua abrangente, classificado como um dos mais avançados do mundo, mas dentro do campo teórico somente. É consenso entre os especialistas que, além de uma ou outra adaptação, como, por exemplo, a respeito da inclusão digital como direito das crianças e adolescentes, o grande problema da lei, como tantas outras vigentes no Brasil, está no campo prático: boa parte das normas ainda não é aplicada. Ou passa perto de ser.
O ECA foi criado durante a década de 80, no início da redemocratização brasileira. As crianças e adolescentes, antes deste novo marco, tinham o amparo do Código de Menores, de 1979, e da Política Nacional de Bem Estar do Menor, lançada em 1964.
As intenções da sociedade na época estavam centradas no lançamento de uma lei que defendesse os direitos humanos dos menores e livrasse o Brasil das regras anteriores, todas criadas durante a ditadura militar.
O ponto primordial do ECA é imprimir na realidade social dos menores os direitos à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, ao convívio familiar e comunitário. O entendimento seria que estes fatores garantiriam maior igualdade na sociedade.
Para tanto, na criação do projeto houve a formulação de três órgãos que viessem a fiscalizar o andamento da ideia: Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (Comunidade), os Conselhos Tutelares (Estado) e os Fundos de Infância e Adolescência (Família). Com a soma de tudo isto, os menores deixam de ser reconhecidas como sujeitos de necessidades para serem vistos como sujeitos de direitos.
A psicóloga Viviane Melo de Mendonça, Doutora em Educação e coordenadora do curso de Pedagogia da UFSCar atribuiu a dificuldade da aplicabilidade do ECA ao desconhecimento da sociedade, o que ela afirma estar gradativamente mudando. “Ele apenas pode ser aplicado, e se tornar viável, quando de fato a Sociedade civil, o Estado e a Família, de modo articulado e igualmente mobilizados, garantam os direitos das crianças e dos adolescentes.”
2010 tem ajudado a familiarizar o Estatuto junto às pessoas graças ao lançamento de duas discussões que envolvem diretamente os menores de idade. O primeiro envolve um modelo de educação adotado por muitos pais no país: a punição através da “palmadinha”.
Lula assinou no dia 14 de julho uma sugestão que encaminha ao Congreso Nacional um projeto de lei que voltou a colocar o Estado como intruso em questões individuais. Caso aprovada, a canetada somará ao artigo “17 A” o direito dos menores serem educados sem castigos físicos ou posturas degradantes, isto é, atitudes que ridicularizem as crianças. Os pais infratores teriam punições educativas.
O outro ponto lançado foi a mobilização, sobretudo a partir da ANVISA, contra a publicidade de determinados produtos que focam o público infantil. No dia 29 de julho, a agência publicou uma resolução regulamentando a propaganda de alimentos que, na visão dela, não atendem aos padrões da boa saúde. O Conar, conselho publicitário que cuida da regulação da área, se defende afirmando que a Constituição não pode ser alterada pela Agência, que conta com apoio de diversas ONGs.
Diferentemente do que se imagina, o ECA trata desta discussão, apesar de não ter recebido algumas atualizações que seriam importantes para contextualizar o documento. Conforme lembra a Profa. Viviane Mendonça, a posição do Estatuto fica evidente nos artigos 17 e 18, em que se configura o "direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais” e o “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor". No entanto, falta a interpretação destes artigos como ferramentas para a realização de um debate sobre o assunto.
“Com base no próprio ECA, a sociedade civil, o Estado e a Família devem realizar controle da publicidade infantil e realizar um debate amplo desta questão. É a partir deste debate que mudanças da Lei podem acontecer, e se for o caso, trazer nestas mudanças as especificidades da publicidade infantil. É evidente a urgência deste debate, tendo em vista que a publicidade infantil tem, em muitos casos, contribuído para a obesidade infantil, a erotização precoce, danos psicológicos para auto-estima baseado no ter ou não ter determinado produto e, conseqüentemente, estresse familiar e até mesmo, a violência”, afirma a especialista.
Atualmente, a Câmara discute um projeto de lei que interferirá diretamente em parte desta discussão, promovendo a proibição de publicidade nas escolas de Educação Básica. Mas não passa disto.
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