Publicado: Terça-feira, 8 de abril de 2008
Um Tristão Político
Camila BertolazziPor Luís Roberto de Francisco
Tristão Mariano da Costa se iniciou na vida política quando abriu um bilhar, no Largo da Matriz, em Itu. Seu pai fora ligado ao grupo liberal de Feijó, Cândido José da Motta e Paula Sousa.
Seu bilhar era ponto de encontro de jovens intelectuais, alguns estudados na Capital ou mesmo na Europa. Nesse ano, de 1871, participou da fundação do Clube Republicano de Itu, onde conviveu com gente endinheirada e poderosa: os Almeida Prado, Paula Souza, Tibiriçá que realizariam, dois anos depois a sublimada Convenção de Itu.
Era, por todos, respeitado, pelas idéias liberais. Escrevia artigos e organizou um Congresso de músicos paulistas, com seu cunhado Elias Lobo, que demonstrou um senso de classe, de organização política próprios dos liberais, herdeiros das idéias iluministas da Revolução Francesa. Ao longo dessa década de 1870, suas idéias políticas se transformaram bastante.
As opiniões dos intelectuais costumam se transformar ao longo da vida. A experiência, as leituras, o convívio, o tempo provocam mudanças na maneira de enxergar o mundo e suas coisas. De defensor das liberdades políticas e culturais, Tristão Mariano passou a se prender aos rigores de tradições antigas da sua terra e aos cânones da religião.
Quando se candidata à vereança, em 1883, é eleito pelo partido republicano. Discute e convive, nas decisões, com figurões do quilate do Visconde de Parnaíba, Coronel Luís Antonio de Anhaia, Bento Paes de Barros, Carlos Kiehl, Adolpho Bauer, Joaquim Galvão de Almeida Sobrinho, Dr. Francisco Fernando de Barros Jr. e Paulino de Lima. Vemos aí latifundiários, industriais e comerciantes ricos, gente dos partidos Conservador, Liberal e Republicano, como ele e Paulino de Lima. Logo na primeira sessão o intelectual desponta como figura isolada. Quando se propõe a construção de um cemitério fora da cidade, mais salubre à população, é radicalmente contra, pois apela para o direito dos membros das Irmandades religiosas serem sepultados em seus tradicionais jazigos. Considera mais urgente a reforma aguda no sistema de abastecimento de água. Propõe também a remoção do matadouro público para local mais condizente com seus fins, com água abundante. Também é contrário à proibição dos dobres de sinos a finados.
Vê-se aí um intelectual cujas idéias caminham entre a necessidade de obras urgentes, medidas sociais que atingem a maioria da população urbana, e outras que tangem os interesses de certos setores da sociedade, ligados a idéias conservadoras, que marcam uma identidade cultural tradicional e presa aos conceitos da religião. É exatamente essa identidade que os liberais querem minimizar, tirando das mãos das Irmandades os cemitérios e proibindo os dobres dos sinos.
Para Tristão Mariano melhor seria manter o status quo e tratar de obras fundamentais, como o abastecimento de água. Este não é um problema simplesmente de nosso tempo, mas que castigou a população local durante muitas décadas do século XIX. Em 1886, após estudos do Engenheiro Paula Sousa, optou-se pela construção do reservatório – Caixa d’água – no terreno do Carmelitas, atualmente Praça Conde de Parnaíba. Por proposta de Tristão Mariano, a inauguração se deu a 19 de setembro daquele ano. Ficavam resolvidos, naquela gestão liberal, diversas questões antigas e urgentes da cidade.
Tristão Mariano volta à vereança em 1892. Novamente convive com o ideário dos liberais republicanos, do qual ele, de certa forma, também faz parte. Esse pensamento, fruto da leitura de clássicos da Revolução Francesa ou dos norte-americanos, não se encaixa completamente na visão de mundo do intelectual católico, que se transformou dentro dos muros do Colégio São Luiz.
Tristão parece ter plena convicção da necessidade de influenciar, junto ao poder público, para que as tradições que preza permaneçam vivas. É republicano, mas desafeto de alguns setores do próprio partido, pelo qual fora eleito. Na verdade parece haver uma disparidade não simplesmente política, mas ideológica, certo anti-liberalismo que toma conta do intelectual católico e desagrada o restante do grupo.
Nesta nova gestão propõe a educação como foco, mas sua atuação é pequena. A fim de defender os interesses da elite conservadora local, coloca-se a favor dos dobres dos sinos a finados, na discussão que vem à baila, e chega às raias da condenação judicial tanto do pároco como do reitor do Colégio São Luiz. Tristão não suporta tamanha humilhação para o clero e renuncia ao cargo. É o fim de uma série de desencontros políticos.
De seu papel político, ficaram obras significativas e o exemplo notável de homem público. Ficou mais: a retidão de caráter. Preferiu renunciar ao cargo a conviver em clima de insatisfação, perseguição política e descaso. No fim a história se incumbiu de lhe fazer justiça: os dobres voltaram!
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