Cultura

Publicado: Terça-feira, 8 de abril de 2008

Um Tristão Músico

Por Luís Roberto de Francisco
 
Foi num dia de 1872, que Tristão Mariano da Costa, um jovem de 26 anos, em vias de se casar com uma cantora, poucos anos mais nova que ele, foi chamado a uma reunião na Igreja Matriz de Itu. O convite vinha da parte do Pároco, Padre Miguel Correa Pacheco, ilustre mecenas da cidade, que já havia conseguido fazer uma coleta de recursos, entre os abastados, para que Almeida Júnior pudesse estudar pintura no Rio de Janeiro. No encontro o grande sacerdote fez ver, a Tristão que, na viagem que fizera aos Estados Unidos e Europa, notara em todas as cidades “civilizadas” a presença de um grupo de músicos e cantores que sustentavam o canto para a liturgia. Que ele, como Pároco, deseja bastante melhorar o serviço de música na igreja matriz, para que a liturgia fosse mais digna. Disse, ao jovem músico, que possuía sessenta ações da Companhia de Estrada de Ferro, organizada em Itu e que, com os seus dividendos pretendia manter os recursos necessários para a música paroquial. Contou-lhe que já havia procurado por outros músicos mais experientes que Tristão, mas que todos haviam recusado a empreitada. O jovem pensou bem: por que Elias Lobo recusara tal oportunidade, com aquela filharada para criar? Talvez para dar oportunidade para ele – Tristão - seu jovem cunhado. Não hesitou aceitar, pois o compromisso era sério. Deveria fazer às vezes de Mestre de Capela, ou seja, tocar, cantar, formar um grupo de músicos e cantores, ensinar-lhes leitura musical, ensaiá-los e, sobretudo, compor as obras próprias para o serviço da igreja.
 
No início do ano seguinte – 1872 - estreou sua primeira obra musical para a igreja, a Missa dedicada a Nossa Senhora das Dores. No outro ano foi a vez do Ofício e Missa de Ramos. Para ela inventou uns expedientes diferentes: na Procissão de Palmas colocou na rua uns garotos cantando o hino Pueri Hebraeorum. Sucesso imediato: conquistou o Pároco e a sociedade.
 
Ainda em 1874 lhe saiu uma Missa de Requiem, para ser cantada na cerimônia que lembrava os dez anos da morte de sua mãe, Maria Tereza. No Dies Irae, buscando oferecer um caráter dramático ao texto, escreve um acompanhamento obrigatório para a flauta imitar o canto da coruja, escuro e denso.
 
Nos anos seguintes interage com as festividades da paróquia. Executa com o coro e a orquestra que criou, obras de Elias Lobo, de sua lavra, de compositores antigos como o Padre Jesuíno ou o Padre Jerônimo. 1876 é seu melhor momento: escreve mais algumas partes para a Semana Santa e sua mais complexa composição, a Missa nº 04, dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Solos difíceis, partes corais inspiradas em obras do Romantismo italiano.
 
Em 1877, com a partida do cunhado Elias Lobo para Itatiba, Tristão se torna a principal figura da música local. Seu melhor aluno, e sobrinho, José Mariano da Costa Lobo, está com vinte anos e desponta como concertista e regente, na igreja e no teatro.
 
A cultura italiana cada vez mais toma conta do estilo musical de Tristão. Sua Missa nº 05, dedicada a São Benedito é inspirada em diversos trechos do melhor lirismo.
 
O Pároco não pára de investir na igreja matriz. Planeja uma grande reforma. Estamos em 1883 e ele amplia o coro. Não simplesmente para que Tristão e seu grupo de músicos tenham mais espaço, mas porque, através do Almeida Júnior, agora respeitado estudante de arte em Paris, adquire um órgão da fábrica de Aristides Cavaillé-coll. Com que êxtase Tristão recebe a notícia e analisa o instrumento. Escreve mesmo um artigo detalhando seus predicados sonoros.
 
Não descansa como compositor. Sua obra se torna fecunda, melhor, mais madura. Os coros, homofônicos, no estilo antigo, sustentados por uma harmonia densa, tão saborosa de se ouvir, às vezes experimentam, inesperadamente, um acorde novo. “Como parecem os coros do teatro!”, diz o povo mais selecionado. A dinâmica oscilante, entre fortes e pianos, dramatiza o contexto harmônico. As vozes deslizam em contraponto. Não chocam, não ferem quem canta nem quem ouve. A prosódia é ótima!
 
Mas os solos, estes sim, são primores de melodia, acompanhados pelos pizzicati das cordas, pela cadência meio marcial dos metais. As partes de soprano são escritas para a voz de Maria Augusta, a esposa que já lhe dera oito filhos.
 
A vida vai mudando muito. Deixa o cargo de Mestre de Capela para José Mariano. Mete-se na política e só tem dissabores. Vem mais uma epidemia e leva seu mecenas e o sobrinho amado, compositor como ele.
 
Em 1897 se muda para Piracicaba. Deixa a Itu com a qual não consegue conviver mais. Cria um vazio na cidade. É como se a trilha sonora e o brilho das festas tivessem se apagado. Na cidade vizinha completa sua obra musical. Escreve mais duas missas, a última, de número oito, para a festa do Divino Espírito Santo.
 
Seis anos passou fora. Quando retornou a Itu era aguardado ansiosamente, para que pudesse reorganizar toda a pompa de outrora. Tinha, então, uma orquestra de quarenta músicos.
 
Deixa uma marca em sua obra. Não resta dúvida do seu romantismo de estilo e intenção: emocionar! Cria imagens e sugere arroubos dramáticos. Tudo singelo e significativo: interior e universo se comunicando à moda de sua época. A obra de Tristão deixa transparecer, uma liberdade sem limites. Mesmo depois que seus discípulos são obrigados a se esquecerem dela, por imposição de Pio X e seu Motu Próprio, o famoso Mandatum Novum, para o Lavapés, permanece por muitas décadas.
 
Estabeleceu um modelo, um conjunto gracioso de obras que ficaram na memória de quem ouve e jamais se esquece.
 
Descendentes de sua arte
Seu principal aluno e compositor foi José Mariano. Estudou com o tio contraponto, copiou diversas de suas obras e, assim, deu asas &
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