Publicado: Domingo, 13 de agosto de 2006
Conversando com a educadora Péo
Aprendendo a desaprender: é este o grande desafio!
Deborah DubnerAprendendo a desaprender – Uma conversa com a educadora Péo
por Deborah Dubner
“Como conseguir “montar” um quebra cabeça em forma de um indivíduo inteiro, num mundo que valoriza a pressa, a falta de contato consigo próprio e com os outros, dando pouca importância aos ritmos biológicos próprios ou da natureza, supervalorizando o intelecto e o poder?
Vivemos numa época que apesar dos avanços tecnológicos e científicos menospreza o que nossos antepassados nos ensinaram, o que os mitos nos contaram e o resultado é um desenraizamento conosco próprio e com a terra. Onde nos perdemos? As crianças são certamente os sinalizadores de um caminho!” - Maria Amelia Pinho Pereira (Péo)
O ser humano é a grande obra de arte. Olhar para ele como um potencial misterioso é um exercício simples, mas difícil de praticar. Afinal, a vida é sábia. Ela não cria alguma coisa para dar errado. Se está dando errado é porque nós não estamos apostando nela, na vida como essência e possibilidade. E o professor é a ponte, o ser humano que está em contato com a vida. Nenhuma reforma na educação pode acontecer sem que o professor aprenda a olhar a criança brincar, percebendo a VIDA em cada ato e gesto. Esse brincar da criança é a iniciação ao humano, cheio de poesia e significados misteriosos. Precisamos, enquanto educadores, aprender a olhar. Desapegar de respostas prontas, julgamentos, cegueira e surdez. Largar o mundo conhecido e seguro e entrar no misterioso universo da criança, tão sábio e belo, embora difícil de decifrar. O ser humano é, por natureza, um aprendiz nato. Não é necessário estimular o desejo de aprender, isso é inerente a todos nós. O que os adultos - pais e educadores - precisam aprender é apenas deixar que cada um exerça a sua própria inteligência. A criança, quando nasce, traz dentro de si a história da espécie, cultural, genética, familiar e pessoal, com a possibilidade de combinar tudo isso de uma forma única e especial. O desafio do educador é apenas esse: ter a coragem de colocar o coração na educação. Mas isso deve ser feito – antes de tudo – dentro de cada um. O grito de violência que a humanidade vive hoje é justamente por não sabermos mais nos ouvir. Quem está adormecido somos nós mesmos, adultos pressionados pela falta de tempo e excesso de cobranças. E repassamos essa atitude na pressa de cumprir todas as tarefas (sejam elas úteis ou inúteis). Afinal, como vamos ajudar uma criança ou adolescente a se achar, se nós mesmos estamos perdidos?
Esta foi a mensagem que a educadora Péo deixou aos 160 participantes do Ciclo de Palestras que o Colégio Almeida Júnior promoveu em Itu. O evento marcou mais uma etapa evolutiva do projeto educacional do colégio, que trouxe também o educador José Pacheco, da Escola da Ponte (Portugal) e já prepara novas palestras com renomados educadores. “O nosso objetivo é sempre abrir horizontes para nossos professores, pais e alunos, de forma que o nosso colégio se torne cada vez mais um espaço que fomenta a curiosidade e o desejo de aprender e se transformar”, explica o diretor Cláudio Pascale.
Além de contar sua experiência em um projeto reconhecido internacionalmente, a conversa com Maria Amelia Pinho Pereira, carinhosamente conhecida por Péo, abordou temas como: a importância do Olhar; o “Vir a Ser” da criança; educação X “deseducação”; espontaneidade; sociedade X educação; o Ser Humano no novo tempo.
De forma singela, Péo se apresenta: “Na verdade sou apenas uma professora que acredita, como Guimarães Rosa, que quando uma criança nasce, o mundo torna a começar.” Mas mais do que professora, ela é uma educadora daquelas que ninguém esquece, idealizadora da Escola Casa Redonda, criada em São Paulo há 25 anos, atendendo crianças entre 2 e 6 anos de idade. O ousado projeto é um caso de sucesso, que tem sido referência para as escolas que buscam um novo modelo de educação. Conferencista internacional, Sócia Fundadora da Escola Vera Cruz (SP), Fundadora e Orientadora do Centro de Estudos Casa Redonda, Péo deixou os presentes com diversas interrogações e inquietações. Afinal, sua experiência traz um universo diferente para dentro de nós. É difícil de ser sentido, se comparado aos currículos escolares, permeados ainda por uma perspectiva mecanicista, que não privilegia o direito humano da criança de viver a sua infância. E a nossa própria criança, onde está?
Fica então a grande questão, que Péo nos alerta: “Olhar a criança como o ser que carrega dentro de si toda a experiência humana até então vivida e ao mesmo tempo nos aponta a esperança, o inesperado, o imprevisível, o Vir a Ser, é o nosso desafio para a educação do século XXI.”
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