O SUMIÇO DO MUNDO - Capítulo 2
Até o futebol parou
Convocados os sábios e os escafandristas
Um pequeno e desolador sinal
ACONTECEU NO CAPÍTULO 1: Certa noite de agosto de 2007, uma densa neblina desce no estreito entre São Sebastião e Ilhabela. Tão densa que interrompe o tráfego de navios e o serviço das balsas entre a ilha e o continente, No momento em que dona Genuína falava com o filho retido na ilha, a ligação cai e não se restabelece. Ela sente um ligeiro tremor e o atribui à passagem de uma jamanta na avenida. Quando amanhece, assombro geral: a Ilhabela tinha desaparecido! No lugar de suas elevadas montanhas e matas verdejantes avista-se apenas a monótona linha do horizonte, entrecortada pela agitação de um mar bastante encapelado. PARA LER A ÍNTEGRA DO CAPÍTULO 1, CLIQUE AQUI. |
Até o futebol parou
Na tarde daquele mesmo dia, a região estava ocupada militarmente. Destacamentos fortemente armados do exército, assim como de fuzileiros navais, polícia federal e polícia militar, ocuparam os pontos estratégicos, bloqueando o acesso por terra de toda a região, de Caraguatatuba a Boiçucanga. A Marinha despachou uma força tarefa com a missão de impedir que qualquer embarcação invadisse o polígono do desastre, que também não podia ser sobrevoado por aeronaves civis. O governo tinha decretado estado de emergência, pois a segurança nacional estava em jogo: uma parte integrante do nosso território desaparecera por uma razão que seria devidamente apurada. Era uma situação que requeria providências inadiáveis do poder público.
As autoridades constituídas acorreram em massa, a maioria de helicóptero. Entre os primeiros, visivelmente emocionados, estavam os governadores de São Paulo e Rio, além dos prefeitos e vereadores de municípios vizinhos e nem tão vizinhos. Logo chegaram as pessoas de Brasília, numa comitiva chefiada pelo vice-presidente da República. O Estadão do dia seguinte não deixou de dar a sua alfinetada, lembrando que os chefes de estado civilizados costumam visitar os lugares dos grandes desastres ocorridos nos seus países: O rei da Espanha compareceu à estação de Atocha, em Madri, no mesmo dia do atentado terrorista que matou centenas de inocentes. A rainha da Inglaterra visitou as vítimas do desastre na estação de Paddington. Até mesmo George Bush sobrevoou New Orleans depois (bem depois, é verdade) que a cidade foi arrasada por um furacão. Mas o nosso presidente não acha que seja seu dever exteriorizar esse gênero de solidariedade pessoal. Este comentário maldoso foi precipitação do editorialista, que precisou se retratar na edição seguinte. O presidente da República não tinha o dom da ubiquidade; naqueles dias era hóspede, pela segunda vez, do ditador de Burkina Fasso, importante parceiro comercial do Brasil na África subsaariana. Contudo, o certo é que a compaixão não faz parte da cultura presidencial do nosso país. Os últimos presidentes tem se limitado a sobrevoar as zonas flageladas por secas, enchentes ou outros cataclismos, para depois dar entrevistas penalizadas e assinar dotações de emergência para amparo aos desabrigados.
Convocados os sábios e os mergulhadores
Os nomes mais notáveis da física, geologia, oceanografia, sismologia, matemática e eletrônica, assim como os melhores sanitaristas e especialistas em tecnologia da informação, foram chamados e se integraram num admirável esforço de cooperação. Formando uma verdadeira comissão de sábios, esses doutores receberam todo o apoio logístico dos comandos militares e da Petrobrás e se lançaram imediatamente ao trabalho. Uma das primeiras iniciativas dessa CEIFI (Comissão Emergencial de Investigação de Fenômenos a Identificar) foi convocar as equipes de escafandristas e mergulhadores da Petrobrás, habituados a realizar delicadas operações submarinas na prospecção de jazidas petrolíferas profundas, os quais começaram a fazer sondagens e mergulhar assim que o mar se acalmou um pouco. A presidência da CEIFI, confiada ao almirante de esquadra Franchotone Pereira Miranda (63) instituiu uma entrevista coletiva diária, pontualmente às 18 h, a tempo de entrar no Jornal Nacional, para informar os jornalistas e o público sobre o progresso dos trabalhos. Demonstrando pulso firme, o almirante rejeitou pressões para ampliar a CEIFI com a inclusão de alguns vereadores de São Sebastião e de três técnicos do IBAMA; este alegava a obrigatoriedade de licença ambiental nas operações de salvamento da ilha, caso ela fosse localizada.
Lamentavelmente, não havia grande progresso a relatar, ou melhor, os relatos negativos resultavam ser contraditoriamente positivos, pois não foram encontradas evidências de uma hecatombe. De início, os especialistas puderam excluir a hipótese tsunami, atestando que não houvera nada parecido com um terremoto ou maremoto. Na noite fatídica, os sismógrafos haviam registrado apenas um ligeiro abalo localizado, que mal alterara o traçado das agulhas.
O mar e a costa da região foram minuciosamente esquadrinhados e varridos na procura de objetos, despojos, destroços, plantas ou detritos que pudessem proceder da Ilhabela. Nada foi encontrado em volume significativo, o que permitia descartar a hipótese de um súbito “naufrágio”.
O fundo do mar também foi exaustivamente pesquisado. Além dos mergulhadores, entraram em ação os caça-minas equipados com ecossondas. Dois submainos atômicos gentilmente enviados pela US Navy incorporaram-se ao trabalho. Nenhuma alteração foi assinalada. Não havia vestígio geológico de um hipotético afundamento da ilha. O solo se apresentava sem cicatrizes ou sequer sinais de convulsão recente. Ele estava na profundidade de sempre, 40 a 45 m, e seguia em lento declive até a borda da plataforma continental.
Surpreendentemente, o cemitério de navios situado em torno da Ponta sul da Ilhabela também desaparecera. Nenhum dos barcos naufragados estava mais lá. Também tinham sumido as ilhotas que formavam o arquipélago de Ilhabela, como as contíguas Ilha das Cabras, da Lagoa, da Serraria e das Calhetas e também as afastadas, Búzios e Vitória. A Ilha Monte de Trigo e o arquipélago dos Alcatrazes, mais distantes, não tinham se mexido. Os pesquisadores que foram até lá encontraram tudo como dantes; os 200 habitantes da Ilha Monte de Trigo ainda estavam alheios aos acontecimentos e, quando souberam, se apavoraram e trataram de fugir.
O achado perturbador aconteceu à meia distância entre São Sebastião e o espaço que a ilha já não ocupava: nesse ponto os cabos submarinos de energia elétrica e telefonia estavam rompidos, ou melhor, rasgados, como se tivessem sofrido um arrancamento. Foi o único sinal de alguma violência encontrado.
Evidentemente essas informações eram insatisfatórias, desorientavam a mídia sequiosa de novidades que pudessem corroborar suas hipóteses, aliás raras. As perguntas continuavam sem resposta: se tudo estava em ordem e cada coisa no seu lugar, onde estava então a Ilhabela? Alguma coisa muito grave tinha acontecido, mas exatamente o quê? Um grande território, com mais de 23 mil pessoas, não podia simplesmente ter se evaporado. Se de um lado a falta de uma explicação causava angústia e exasperação, criava por outro lado um clima de suspense que, dia após dia, aumentava a circulação dos jornais e elevava a índices nunca vistos a audiência das emissoras de rádio e televisão.
Como não podia deixar de ser, a falta de uma explicação, as opiniões contraditórias e a visível desorientação dos chamados formadores de opinião da mídia colocaram certezas sobrenaturais na cabeça da maioria das pessoas.
Finalmente um mistério descomunal, que a ciência não era capaz de elucidar! Muito acima, fora do alcance da sabedoria dos homens, ele era uma prova conclusiva do poder de Deus. Nos templos de todas as crenças, abarrotados a qualquer hora do dia ou da noite, os cardeais, bispos, párocos, rabinos, pais de santo, pregadores e pastores evangélicos procuravam interpretar essa demonstração de força da suprema divindade. Todos concordavam que devia ser um castigo, mas divergiam quanto ao motivo. Castigo por quê? Dos possíveis pecados, os mais lembrados eram a corrupção, a violência, a ganância, a dissolução dos costumes (vejam só, tem praticamente um motel em cada esquina!), a pedofilia e o vício da droga. A unanimidade ficava com o diabo – o danado tinha se apossado das nossas almas. Mas então, perguntavam-se os fiéis menos obnubilados, por que o castigo divino foi recair só sobre aqueles 23 mil ilhéus? Eram eles mais pecadores do que todos os demais brasileiros? Mais do que os políticos profissionais? Ou o Todo Poderoso perdera a pontaria? Misteriosos são os desígnios d’Ele.
A fé e o temor a Deus tomaram um súbito impulso. Parecia que tínhamos regredido aos tempos da Idade Média, tamanho era o fervor. As missas em sessão contínua, muitas delas campais, multiplicavam-se por todo o Brasil e em outros países católicos. Do mesmo modo, sucediam-se as grandes vigílias de oração em intenção dos milhares de mortos. Destas muitos discordavam, escreviam até artigos nos jornais para argumentar: “se ainda não foram encontrados despojos ou cadáveres, não se pode, tecnicamente, falar em mortes”. Os esotéricos pediam tranquilamente que não nos preocupássemos, todas aquelas pessoas desaparecidas tinham ido para “outra dimensão”. Não era esse o nome que os espíritas davam para a paragem dos desencarnados.
A boa notícia chegava dos centros espíritas, onde os médiuns tentavam mas não conseguiam se comunicar com nenhum dos filhos, maridos, esposas, amigos, sócios e amantes que estavam na Ilhabela – sinal inequívoco de que aquelas almas continuavam corporificadas. Eram tempos de ouro para os disseminadores das crenças, superstições e mitos, intensamente relembrados e recombinados. Apesar da total ausência de evidências ou indícios, tomou corpo a ideia de uma nova Atlântida. A Ilhabela tinha desaparecido tão miraculosamente como a lendária Atlântida. Aonde e como irá ressurgir? Ah, isto as futuras gerações dirão... A popularização desta hipótese coincidiu com o reaparecimento de esquadrilhas de OVNIS nos nossos céus, depois de décadas de esquecimento.
Na tarde do quinto dia, aterrissavam em São Sebastião dois helicópteros fretados, um pela Câmara e o outro pelo Senado. Traziam uma delegação mista, composta de cinco senadores e sete deputados, investidos pelas mesas das duas casas de poderes para “acompanhar as buscas e o salvamento da comissão também mista de nove parlamentares que se encontrava em visita oficial ao município de Ilhabela para estudar a viabilidade de um empreendimento internacional de estímulo ao turismo local”. A delegação se instalou no plenário da Câmara Municipal e passou a convocar e interpelar as autoridades administrativas e militares que se achavam à mão, no popularizado estilo CPI. Suas excelências compareceram às 18h à coletiva diária do almirante Franchotone, manifestaram descontentamento pelo que ouviram e, exaustas, buscaram refúgio na piscina e no bar do Porto Grande Hotel, onde a duras penas tinham conseguido alojamento.
A identificação das vítimas daquela quinta-feira 9 de agosto, ou simplesmente Q-9, que é como a imprensa passou a se referir à data da desaparição da ilha, foi mais um capítulo de sofrimento e angústia coletiva. Os jornais começaram a publicar listas de nomes daqueles que, se supunha, se encontravam visitando a ilha. As entrevistas com parentes e amigos dessas pessoas, apresentadas continuamente no Jornal Nacional, acabavam geralmente em choro. A revista Caras publicou em edição extraordinária uma galeria de fotos de “famosos” desaparecidos em Q-9, entre eles alguns atores de novela, três iatistas, um campeão de mini-golf e várias senhoras – visivelmente fotos destacadas de álbuns de família. Foram numerosos os grandes anúncios de empresas e organizações que manifestavam esperança e solidariedade com as famílias enlutadas. Um desses anúncios, comentado com ironia por Tutty Vasques em sua coluna diária no Estadão, aproveitava a oportunidade para fazer o lançamento de um condomínio fechado na praia da Boraceia, “fora da zona de perigo”. E foi recebida com repúdio geral a venenosa nota publicada por um conhecido colunista. Intitulada “Marido Aflito”, ela dizia: Desde a sexta-feira fatídica a jovem socialite C.D.R. (21) não aparece em casa. Seu marido, M.D.R. (31), descarta a hipótese de sequestro. Encontra-se também desaparecido desde então o presidente de uma das grandes corporações financeiras da Avenida Paulista. O rumor de que ambos viajaram juntos para Ilhabela não foi confirmado, mas também não foi desmentido...
Os agentes provocadores de sempre estavam de plantão na mídia, muito atentos a alguma denúncia ou um vazamento de informação que pudessem ser usados na responsabilização do governo por falhas, negligência ou omissão na busca da ilha perdida. Inutilmente, todas as medidas e providências possíveis tinham sido tomadas. E o Brasil aceitou prontamente as ofertas de cooperação de países e organizações internacionais, começando pela Organização das Nações Unidas. Além dos dois submarinos atômicos americanos e do navio da equipe de Jacques Cousteau especialmente preparado para pesquisas em águas profundas, chegaram embarcações de todos os tipos, equipadas com a mais avançada parafernália eletrônica, entre elas quatro dragas oceânicas, dois batiscafos italianos e um porta-aviões argentino. Esse apreciável reforço, contudo, não conduziu a nenhuma descoberta nem mudou o quadro geral de perplexidade e desalento.
Nesse ponto, causou sensação o furo de reportagem da CNN, repercutido imediatamente em toda a mídia: a CIA estaria trabalhando com a suspeita de que a Ilhabela fora o primeiro alvo de um novo e terrível raio de transmutação de partículas, até então só testado em laboratório. Cientistas do MIT não quiseram se pronunciar a respeito mas o prof. Henry Atkinson (74), catedrático de física quântica da Universidade de Cambridge, admitiu a existência de estudos a respeito. Menos de 12 horas depois, a TV Aljazira divulgava uma proclamação da organização terrorista Al Qaeda assumindo a responsabilidade pelo atentado. “Que os Estados Unidos e seus lacaios estejam avisados” – advertia o apresentador mascarado, de metralhadora em punho e vestido de homem-bomba. Essa fantástica arma, cuja eficácia foi tão cabalmente demonstrada na América do Sul, estava apontada para Washington e seria acionada se as tropas americanas não deixassem o Iraque em 48 horas.
O porta-voz do Departamento de Estado desqualificou a ameaça horas depois, classificando-a de terrorismo vazio e ridículo oportunismo. O “estado da arte” nos grandes centros de pesquisa científica ocidentais (nem falar então do resto do mundo) estaria longe de permitir a concepção de uma arma assim, que só existiria na imaginação dos criadores de gibis e filmes de ciência-ficção. Pela via das dúvidas, a US Air Force realizou mais um devastador bombardeio na região do Afeganistão onde se supunha que Bin Laden estivesse escondido. E as forças da OTAN entraram de prontidão no nível “alerta vermelho”. Enquanto isso, a Agência Internacional de Energia Atômica confirmava que suas medições coincidiam com os resultados obtidos pela CEIFI – não havia nenhuma alteração perceptível do nível de radiação nas águas, na atmosfera e na costa da região do lamentável desastre.
Um pequeno e desolador sinal
Do ponto de vista econômico, bem mais grave que o desaparecimento da Ilhabela era o fato de que estreito ou canal de São Sebastião deixara de existir. O porto ficou inteiramente exposto ao mar aberto, tornando inviáveis as operações de embarque e desembarque e, em particular, a sucção dos tanques dos petroleiros. As atividades do terminal da Petrobrás foram suspensas e, quando se esgotaram os reservatórios da Transpetro, o oleoduto não teve mais o que bombear para a refinaria de Cubatão.
Medidas de emergência foram tomadas para evitar o desabastecimento de carburante. Os grandes petroleiros foram substituídos por navios de menor calado que pudessem entrar no canal de Santos e descarregar nos antigos terminais reativados. Com a consequente diminuição da produção da refinaria de Cubatão, a Petrobrás precisou suplementar o abastecimento da refinaria de Paulínia com petróleo transportado por um frota de caminhões cisterna, o que agravou o congestionamento das rodovias.
A questão só podia ser resolvida com a transferência do terminal. Cogitou-se num primeiro momento da construção de um extenso quebra-mar para proteger o porto e abrigar os petroleiros atracados. Entretanto a grande profundidade, que antes fazia de São Sebastião um dos portos de maior capacidade do mundo, tornava agora a obra impensável. Era preciso encontrar um outro ponto, numa baía ou enseada suficientemente profunda e protegida. O Ministério de Minas e Energia constituiu a Comissão do Novo Terminal Sudeste – CNTS, e seus membros passaram a ser assediados por lobistas representando diversos interesses, principalmente dos municípios que pleiteavam receber o novo porto, entre eles Sepetiba, Ubatuba, Caraguatatuba (onde já havia um porto de descarga de gás), Itanhaém e o próprio município de São Sebastião. Por mais urgente que fosse, a decisão, os estudos de viabilidade e o projeto tardariam meses antes que a obra pudesse ser iniciada.
São Sebastião oferecia algumas alternativas ao longo de sua costa, permitindo aproveitar boa parte da infraestrutura e do oleoduto existentes. Poderia ser, portanto, uma solução mais rápida e econômica. Para o município, era vital continuar com o terminal. O comércio de varejo e os serviços de hotelaria e correlatos gozavam de uma repentina prosperidade porque o movimento de turistas atraídos pelo desastre não parava de crescer. As ruas centrais estavam atulhadas de ambulantes vendendo lembranças da Ilhabela – toda sorte de bugigangas, relíquias, pinga, artesanato e até frascos de areia e crucifixos feitos de conchas que os vendedores juravam ser autenticamente ilhabelenses. Mas ninguém se iludia, a onda era passageira. Nem mesmo a construção de um gigantesco monumento em memória dos habitantes da ilha perdida (Oscar Niemeyer o desenhou com um único traço, no instante em que foi convidado a criá-lo), nem mesmo essa obra, que poderia vir a ser mais uma das maravilhas do mundo moderno, seria capaz de devolver à cidade uma fração do prestígio e da riqueza que a existência do terminal assegurava.
Em 5 de setembro, 26 dias depois do trágico Q-9, um navio pesqueiro japonês encontrou à deriva, a cerca de 100 milhas ao largo de Florianópolis, uma das balsas da linha São Sebastião–Ilhabela. Era a balsa Bienense, uma das duas que tinham ficado do lado da ilha e devia estar pronta para desatracar quando a cerração suspendera o tráfego marítimo. Os espectadores das edições extras dos telejornais tiveram a primazia de ver as imagens, tomadas do ar, da balsa extraviada sendo conduzida por um rebocador para o Porto de Itajaí. A bordo havia 19 automóveis e dois caminhões baú, dispostos em grande desordem, entrechocados e atravessados na coberta, o que fazia supor que a embarcação sofrera grandes impactos, de ondas ou qualquer “outra coisa”. Amuradas rompidas indicavam que alguns veículos podiam ter sido lançados ao mar. Os telespectadores puderam observar os gestos de desalento – polegar para baixo – dos marinheiros do rebocador que abordaram a balsa e a esquadrinharam sem encontrar vivalma. Na chegada, a balsa e os carros foram vistoriados pela polícia, que não encontrou ninguém, nem um corpo sequer. Os cães auxiliares só farejaram alguns envelopes de cocaína dentro de quatro porta-luvas. A conjectura que passou por todas as cabeças era que esse barco conseguira escapar da Ilhabela quando começaram os acontecimentos, que ninguém sabia quais eram, e se perdera no nevoeiro. Mas, e depois? Havia rádio e telefone a bordo. Por que o comandante não fez contato? Por que continuou sem rumo quando a visibilidade se restabeleceu? O que provocou o desaparecimento de todas as pessoas, pelo menos 50, que estavam a bordo? Foram provavelmente as últimas a deixar a ilha. Se existisse pelo menos um sobrevivente, ele poderia contar o que presenciou, dar uma pista do que pode ter se passado. Os pertences pessoais encontrados dentro dos carros, nas bolsas, pastas e malas, permitiram a identificação de alguns motoristas e passageiros, na sua maior parte turistas do interior, aposentados que voltavam de férias. A tripulação de seis pessoas era composta de funcionários do DERSA residentes em São Sebastião. Um número indeterminado de pedestres, motoqueiros e ciclistas também devia ter embarcado e sumira.
A proverbial irreverência brasileira permaneceu calada. Outras tragédias nacionais, como a morte de Tancredo ou a perda da Copa do Mundo de 1950, não foram suficientemente fortes para inibir a publicação de charges e a disseminação de piadas. Mas desta vez foi como quando Getúlio se suicidou. Nenhum cartunista, nenhum Millor ou Simão se atreveu a fazer graça. Nos bares e pontos da moda surgiu a tentativa de criar a expressão “ficou na Ilha” para insinuar que alguém está ausente, “por fora” de uma situação. Mas não pegou.
O SUMIÇO DO MUNDO
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O mistério visto do outro lado
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