Inocência roubada: a triste realidade do abuso sexual
1,8 milhão de crianças e adolescentes no mundo sofrem abuso.
Guilherme MartinsPor Guilherme Martins
"Tinha mais ou menos 10 anos de idade. Era de manhã quando brincava pela casa, subi no primeiro andar, meu irmão (nove anos mais velho) estava deitado na cama, me chamou e pediu para que eu espremesse espinhas que ele tinha nas costas. Ele estava de short e sem camisa. Espremi duas ou três espinhas meio sem jeito e ele me pediu para fazer o mesmo em mim. Disse-lhe que não tinha nenhuma e ele me pediu para ver, insistindo. Eu permiti. Percebi que rapidamente ele desceu a mão e alisou por entre as minhas pernas. Eu me assustei e corri, enquanto ele dizia: 'Peraí, peraí, vem cá!'. Desci os degraus mais que depressa e quando cheguei embaixo, minha irmã (seis anos mais velha) estava entrando em casa. Eu resolvi que ia contar tudo a ela. Não consegui, as pernas tremeram, esbarrei em minha timidez, fiquei com medo de que achasse que eu o tinha provocado. Tive medo! Foi aí que começou meu inferno que dura até hoje."
Esse espantoso relato foi dado por uma pessoa que resolveu contar seu caso de abuso através da Internet. E infelizmente não se trata de um caso isolado. Ela é apenas mais uma que pertence a estatística de cerca de cem mil meninos e meninas que vivem essa assustadora realidade e são vítimas de abuso e exploração sexual anualmente no Brasil.
Números da Organização Mundial do Trabalho (OIT) revelam que 1,8 milhão de crianças e adolescentes são abusados sexualmente no mundo, a cada ano. No Brasil, a quantidade de denúncias deste crime no "Disque Denúncia 100" triplicou nos últimos dois anos em relação a 2005 e 2006, segundo informa a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência. Em 2007 e 2008, as denúncias relacionadas a casos de turismo sexual no Brasil chegaram ao espantoso número de 11.365, sendo que, nos anos anteriores, esse número não passava de 3.600.
A Delegacia da Mulher de Sorocaba é quem cuida e é responsável pelos casos de exploração e abuso sexual. A delegada Ana Luisa Salomone conta que recebem um número considerável de casos desse porte, contra menores. Eles possuem uma rede de apoio social às vítimas, porém costumam enfrentar muita dificuldade nesses casos. "Dependendo do nível de abuso, as crianças ficam introspectivas ou até mesmo, pela pouca idade, não conseguem verbalizar o ocorrido, mas nós sempre conseguimos reunir indícios suficientes", conta.
Outro fator que prejudica é que existem pais que demoram a perceber o abuso. "Acontece muito de mães que acham que a culpa do abuso é do filho ou filha (no caso dos adolescentes), mas elas têm que entender que quando há violência é porque algo não está correto. Já no caso dos menores, os pais acham que os relatos são fruto da imaginação". E completa: "Sempre que há desconfiança do responsável é importante verificar e, caso confirmada a suspeita, registrar ocorrência".
Ana explica que as vítimas desses casos, em sua maioria, são encaminhadas para o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), para receber tratamento adequado e acompanhamento especializado.
Uma luz no fim do túnel
O CREAS atua em cidades como Itu, Sorocaba e outras da região. Trata-se de uma unidade pública estatal, na qual se ofertam serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos nas diversas situações de violação de direitos.
O objetivo é oferecer contribuição para assegurar proteção social imediata e atendimento interdisciplinar às pessoas em situação de violência visando a integridade física, mental e social; fortalecer os vínculos familiares e a capacidade protetiva da família; fortalecer as redes sociais de apoio da família; processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos serviços públicos, conforme necessidades; reparar os danos da incidência de violação de direitos; e prevenir a reincidência dessas violações.
Além de crianças e adolescentes, no CREAS são atendidas famílias e indivíduos que vivenciam violações de direito por ocorrência de: violência física, psicológica e negligência; violência sexual: abuso e/ou exploração sexual; tráfico de pessoas, entre outros. No local, uma equipe de profissionais oferece atendimentos a fim de reparar a situação de violência vivida. A psicóloga Sabrina Kelly Maciel é uma dessas profissionais e trata das vítimas de abuso desde 2008.
Com especialização em Capacitação no Enfrentamento da Violência Doméstica Contra a Criança e Adolescente (CECOVI) e Pós-Graduação em Prevenção a Violência, ela atende em média cem crianças e adolescentes por mês, na faixa dos 7 a 15 anos, que passam pela instituição.
No CREAS, a vítima é encaminhada através do Conselho Tutelar, delegacia de Polícia, Hospitais, Órgãos Públicos e Privados, entre outros. Nesse momento o responsável passa por triagem com o Serviço Social que acolhe a queixa trazida. Posteriormente é encaminhada para atendimento jurídico que orienta para as ações cabíveis frente ao caso. E depois as vítimas são encaminhadas para atendimento psicológico que busca aliviar os traumas vividos por estes. Para tanto, havendo necessidade de novos encaminhamentos, os mesmos serão feitos pela rede.
Um mal criado em casa
Assim como na situação descrita no início da matéria, os casos de abuso sexual a crianças e adolescentes ocorrem, em sua maioria, dentro das famílias. Através de pais, padrastos, madrastas, além de agregados como tios e avós.
Atualmente a estrutura familiar vem ganhando novos modelos. Muitos familiares acabam morando na mesma casa por dificuldades financeiras ou por diversos outros motivos. Isso sem contar na formação de novas famílias, unindo-se a outras famílias, como no caso de pais separados, o que pode propiciar os casos de abusos. Mas, sendo assim, como podemos identificar os agressores?
Pais: como reconhecer a vítima e o que fazer diante do problema?
Por ser classificado como um ato de violência, o abuso pode gerar um fator de risco para o desenvolvimento. As sequelas deixadas nas vítimas de abuso sexual podem ser tanto físicas quanto psicológicas. Em relação às sequelas físicas, são deixadas pela agressividade que existiu durante o abuso, compreendendo hematomas, cortes, fraturas pelo corpo e órgãos genitais. Porém o índice é menor quando comparado